sábado, 15 de agosto de 2015

MEU PAI E NOEL ROSA





artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Lembro que a primeira vez que ouvi falar de Noel Rosa foi quando escutei Chico Buarque cantar no antigo programa Esta noite se improvisa, um trecho  da música Feitiço da Vila. O programa que fez muito sucesso, essa época na TV Record,  com apresentação de Blota Jr. era um concurso para cantores nos quais se media o conhecimento musical do artista e a velocidade de resposta. O apresentador dizia “A palavra é”... e os concorrentes tinham de apertar um botão cantando um trecho da canção contendo a palavra. 

                                                      



Chico Buarque era um dos que sempre venciam e, entre outros méritos que o programa tinha um deles era o de aproximar, num show de toda semana, as turmas da MPB e da Jovem Guarda que viviam às turras, porque havia certo preconceito da turma da MPB contra o rock.
            Meu pai, Juvenil Amorim Ewerton, apreciava muito o programa e foi ele quem me alertou para o autor da música , quando,  por um instante, imaginei que fosse uma nova canção de Chico Buarque: “Essa é de Noel Rosa, é Feitiço da vila”. Logo a seguir, se propôs a ensinar-me a acompanhá-la no violão já que, há algum tempo, eu iniciara com ele, meu aprendizado.
            Sim, porque ele, nessa época juiz de direito e mais tarde desembargador, sempre teve o maior empenho em que seus filhos, aprendessem algum instrumento musical, orientação essa, aliás,  que lhe fora transmitida pelo meu avô, Jose Ribamar Ewerton, o que sempre considerei uma benéfica e gloriosa imposição genética. Do meu avô guardo, aliás, o solo da “marcha dos marinheiros”,  que foi ensinado por ele à minha tia Rosa Ewerton, e que ela me repassou, tendo sido ela também, além de professora, uma fervorosa apreciadora de música,  tendo se dedicado , certa feita, ao  acordeão.
            Mas, jamais cheguei ou  chegarei , nem de longe, ao exercício talentoso de meu pai nos instrumentos musicais, ele que tocava em orquestra na juventude   e pertenceu a uma banda que animava festas em Guimarães, Cedral e arredores, tocando além de violão, cavaquinho, saxofone e clarinete. Aliás, em recente crônica semana passada neste espaço o escritor e  confrade Jomar Moraes, evocando seu genitor, lembrou que meu pai foi um dos seus alunos, já que José Alípio de Moraes Filho, pai de Jomar, era um músico famoso em São Luís.  Aconteceu que a  pedido do meu avô, que era amigo dele, José Alípio de Moraes hospedou meu pai, jovem e recém-transferido do interior para São Luís, durante alguns dias em sua casa, justamente para inicia-lo em seus estudo musicais. Devo acrescentar que, além de todo esse ambiente e incentivo musical que meu pai me proporcionou, devo e agradeço a ele outra  faceta igualmente muito valiosa de formação artística: a reverência e a percepção da obra Noel Rosa, de quem meu pai era admirador incondicional e , provavelmente, um dos maiores conhecedores de sua obra em São Luís, embora, muito a seu feitio, a ninguém propagasse isso.


                                           




 
            Guardo com carinho o presente que me deu e do qual ele gostava muito (essencial a meu ver para todo aquele que aprecie o talento artístico): a biografia de Noel Rosa feita por João Máximo e Carlos Didier, um definitivo compêndio da vida e da obra do genial compositor carioca precocemente morto, além de uma caixa, contendo toda sua produção musical.  A estas alturas, ele compreendera que a admiração que tinha pelo compositor prosseguiria após sua partida em seus legatários, o que não é compreensível apenas por uma deferência genética, mas também por uma constatação, óbvia, para todo aquele que tenha algum gosto musical e compreenda a diferença entre o jorro de um talento intuitivo, especial e muito  acima da média de um Noel Rosa, se comparado a outros talentos  que se desenvolvem  às custas apenas  do aprimoramento do intelecto  e da dedicação.
            Por isso, alguns anos atrás,  causou-nos espécie que na escolha do maior compositor do século, Chico Buarque aparecesse em primeiro lugar, ocupando um lugar que achamos que teria de ser concedido a Noel  Rosa,  cuja obra musical, mais abrangente e atemporal, superou em vitalidade a todas as outras na MPB,  apesar de ter morrido com apenas 27 anos. Chico Buarque, aliás, nunca negou a superioridade musical daquele que o inspirou e formou. Embora eu tivesse sido um ardoroso fã de primeira linha da música de Chico (que me incentivou a conhecer mais da MPB, e a dividir o gosto musical que,  como todo jovem da época passava necessariamente pela rebeldia do rock  ‘a juventude  é a maior de todas as liberdades’,  e ia dos Beatles a Rolling Stones e daí a Led Zeppelin).  Mais tarde concluí, porém,  que embora a obra musical de Chico Buarque de Holanda seja magistral,  a de Noel Rosa é muito mais latejante e eterna, por ter mais recursos de empatia popular e porque alia o talento, a singeleza e capacidade de ironia sutil ao alcançar o mais difícil tom preconizado por Manuel Bandeira: de que o mais difícil, porém, muito mais talentoso na arte, está na busca da expressão que se distingue justamente pela maneira simples de dizer as coisas. A obra de Chico, menos vital e mais elaborada, em pouco tempo tornou-se excessivamente datada em algumas de suas mais importantes canções.
            Mas não se trata aqui de fazer uma comparação musical entre dois grandes artistas da MPB, o que, aliás,  não está ao meu alcance, mas sim de lembrar a conexão obtida a partir da nossa admiração recíproca pelo compositor,  hoje que se completaram dois anos do falecimento de meu pai, na ultima quinta-feira.




                                                  





            Tenho certeza de que, no céu, terá cumprido uma de suas maiores desejos: assistir a um show de Noel Rosa, junto a familiares e amigos que já se foram, assim como um dia assistimos a um concerto de Turíbio Santos, a quem tanto admirava também e que hoje, para seu incontestável orgulho (que, infelizmente ainda não pode me transmitir, mas o fará um dia)  se tornou meu confrade na AML.


                                                                       ewerton.neto@hotmail.com                                                               http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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