domingo, 13 de setembro de 2015

O JULGAMENTO DAS FORMIGAS



texto publicado no especial do Caderno Alternativo,
aniversário da cidade de São luis, terça, dia 8


Pode um julgamento de formigas, feito por seres humanos? Pode, se  for   em São Luís do Maranhão, isso porque no Maranhão pode tudo, como dizia o padre Antônio  Vieira.  O episódio aconteceu em 1712. Vamos aos  detalhes,  para melhor ajuizarmos do que as formigas são capazes. Ou os seres humanos. Ou os poderes de Deus.
            Os documentos existentes vão de 1712 a 1714. No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro existem cópias parciais e as peças finais do processo, faltando-lhes a petição inicial e as peças finais. Não se sabe exatamente   quando o processo iniciou nem quando chegou ao fim, desconhecendo-se , a sentença final. (Ver Guia de São Luis do Maranhão, de Jomar Moraes,  aliás referência imprescindível e única sobre aspectos e fatos marcantes de nossa cidade,  em vias de reedição, conforme o autor).  O exercício deste cronista foi tentar esclarecer detalhes que faltam à História, inclusive quanto a sentença.

            1.As rés formigas. Como se sabe as formigas constituem um dos  grupos de insetos mais populares do mundo. Pertencentes ao Filo Artrópoda e à ordem Hymenoptera, elas são encontradas em toda parte, exceto nas regiões polares. Como o fato se deu nos trópicos há certeza, portanto, de que elas por aqui viviam. E, por serem, além de populares, ladinas -como denunciaram  os padres -,  é de se esperar que, almejassem algum cargo público (formigas como se sabe, são muito menos danosas do que os políticos, atuais e de sempre).




                                           






         2.A acusação. Elas foram acusadas de duplo crime: furto qualificado e dano. Furto qualificado, devido às trilhas subterrâneas que abriam para subtrair a farinha armazenada na despensa do Convento de Santo Antonio. Quanto ao dano, sabe-se que esses milhares de caminhos do furto punham em risco a segurança do imóvel conventual.
         Comentário. Não há como negar que o crime perpetrado era seríssimo. Embora hoje só se considere como roubo qualificado, de carro de luxo pra cima, (a la Collor de Melo) deve-se ter em mente que naquela época farinha valia mais do que lombo de burro  -o mais sofisticado meio de transporte de então -,  e comer bem é que era um luxo. Já quanto à segurança estrutural do prédio, o que existe de prédio desabando hoje no Centro Histórico, dá uma noção do quanto esses pequenos animais eram capazes de causar danos irreversíveis.

         3.Os acusadores. Os frades do convento de Santo Antonio. É de supor que tenham se decidido pelo processo somente depois que reza nenhuma adiantou. Embora hoje se tenha esse tipo de acusação na conta de inusitada e esdrúxula, a ideia pode ter sido fruto de uma inspiração divina. Deus deve ter subentendido às vítimas ( os padres) que se ele não tinha poder sobre os homens, que dirá sobre as formigas!
         Comentário. É bom lembrar que na época não havia Detefon, Baygon  ou outra inseticida qualquer. Formiga era combatida na base do  tapa. A luta era inglória, portanto.  


                                           




         4.A razão dos acusadores. O que poderiam esperar da Justiça os padres?

         Comentário. Da justiça humana pouco se deve esperar nesta terra, já dizia outro padre, o Vieira. No entanto, era preciso sensibilizar o rei ( uma espécie do Tribunal Superior  dessa época ) para que este se decidisse a dotar os padres de maiores recursos para o combate. Provavelmente, os padres quisessem mesmo era se mandar para outras plagas, livrando-se de índios, formigas, cobras e  adjacências se o melhor que poderiam fazer por aqui,  que era transar com as índias, não lhes era permitido usufruir,  por serem padres.

         5.A defesa (das rés). Em 15 de janeiro de 1713 protestaram as formigas em audiência de 15 de janeiro de 1713, formalizando, pelo seu curador, o seguinte documento:

(...) Provarão as embargantes formigas que lhe não devem prejudicar as ditas testemunhas José Rodrigues da Paz, Teresa do Rosário e Mônica da Paz, por serem como são, terceiras da Ordem de São Francisco e particulares amigas do reverendo autor e mais religiosos e por serem como são filhos de Antônio da Silva Paz, procurador contra as rés embargantes e, nesta forma nunca não haviam de querer dizer contra o Reverendo Autor embargado e na mesma forma(...)

         Comentário. Ao colocarem as formigas suas defesas nas mãos de um ser humano isso configura, sem dúvida, uma anomalia jurídica. Era de se esperar que fossem defendidas por alguém do reino animal, outra formiga, ou na pior das hipóteses, um cavalo ou um cachorro. A tradução não seria um grande empecilho, já que, de regra, o linguajar jurídico é muitas vezes mais intraduzível, do que a fala animal. De qualquer forma, apesar dos pesares a defesa das formigas na medida do possível estava bem representada e o protesto tinha fundamento. Como poderiam as acusadas aceitar o testemunho de gente que tinha vínculo com os padres? E, por outra, quem testemunharia a favor das formigas? Por acaso foram entrevistar alguma delas?

         7.O julgamento e a sentença final. Embora perpasse uma névoa de sombra nos registros existentes sobre o julgamento e seu desenrolar, admite-se com um elevado grau de confiança que as formigas foram condenadas. Tudo leva a crer que, como pena, foram obrigadas a se deslocar (via túnel que elas mesmo construíram durante anos e anos, coitadas! ) para um lugar ermo e abandonado na periferia da cidade que hoje sedia a penitenciária de Pedrinhas.

                                           





         Uma prova de que foi isso mesmo o que aconteceu é que nunca, em qualquer lugar e época do mundo, se foge tanto de uma cadeia via túnel como lá, onde está assentada a famosa cadeia. Quem teria ensinado esses indivíduos? Não seria uma herança maldita aprendida ao longo dos anos? Donde tanta inspiração para furar túnel, fugir e voltar a roubar? O que comprova a formidável herança obtida pelos criminosos atuais, daquelas que foram as primeiras criminosas em massa do estado do Maranhão.
                                                                                     ewerton.neto@hotmail.com
         http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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