texto publicado no especial do Caderno Alternativo,
aniversário da cidade de São luis, terça, dia 8
Pode um julgamento de formigas, feito por seres humanos? Pode,
se for
em São Luís do Maranhão, isso
porque no Maranhão pode tudo, como dizia o padre Antônio Vieira.
O episódio aconteceu em 1712. Vamos aos detalhes, para melhor ajuizarmos do que as formigas são
capazes. Ou os seres humanos. Ou os poderes de Deus.
Os
documentos existentes vão de 1712 a 1714. No Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro existem cópias parciais e as peças finais do processo, faltando-lhes
a petição inicial e as peças finais. Não se sabe exatamente quando
o processo iniciou nem quando chegou ao fim, desconhecendo-se , a sentença
final. (Ver Guia de São Luis do Maranhão, de Jomar Moraes, aliás referência imprescindível e única sobre
aspectos e fatos marcantes de nossa cidade, em vias de reedição, conforme o autor). O exercício deste cronista foi tentar esclarecer
detalhes que faltam à História, inclusive quanto a sentença.
1.As rés
formigas. Como se sabe as formigas constituem um dos grupos de insetos mais populares do mundo.
Pertencentes ao Filo Artrópoda e à ordem Hymenoptera, elas são encontradas em
toda parte, exceto nas regiões polares. Como o fato se deu nos trópicos há
certeza, portanto, de que elas por aqui viviam. E, por serem, além de populares,
ladinas -como denunciaram os padres -, é de se esperar que, almejassem algum cargo
público (formigas como se sabe, são muito menos danosas do que os políticos,
atuais e de sempre).
2.A acusação. Elas foram acusadas de duplo crime: furto
qualificado e dano. Furto qualificado, devido às trilhas subterrâneas que
abriam para subtrair a farinha armazenada na despensa do Convento de Santo
Antonio. Quanto ao dano, sabe-se que esses milhares de caminhos do furto punham
em risco a segurança do imóvel conventual.
Comentário. Não há como negar que o crime perpetrado era
seríssimo. Embora hoje só se considere como roubo qualificado, de carro de luxo
pra cima, (a la Collor de Melo) deve-se ter em mente que naquela época farinha
valia mais do que lombo de burro -o mais
sofisticado meio de transporte de então -, e comer bem é que era um luxo. Já quanto à
segurança estrutural do prédio, o que existe de prédio desabando hoje no Centro
Histórico, dá uma noção do quanto esses pequenos animais eram capazes de causar
danos irreversíveis.
3.Os acusadores. Os frades do convento de Santo Antonio. É
de supor que tenham se decidido pelo processo somente depois que reza nenhuma
adiantou. Embora hoje se tenha esse tipo de acusação na conta de inusitada e
esdrúxula, a ideia pode ter sido fruto de uma inspiração divina. Deus deve ter subentendido
às vítimas ( os padres) que se ele não tinha poder sobre os homens, que dirá
sobre as formigas!
Comentário. É bom lembrar que na época não havia Detefon,
Baygon ou outra inseticida qualquer.
Formiga era combatida na base do tapa. A
luta era inglória, portanto.
4.A razão dos acusadores. O que poderiam esperar da Justiça os
padres?
Comentário. Da justiça humana pouco se deve esperar nesta
terra, já dizia outro padre, o Vieira. No entanto, era preciso sensibilizar o
rei ( uma espécie do Tribunal Superior dessa
época ) para que este se decidisse a dotar os padres de maiores recursos para o
combate. Provavelmente, os padres quisessem mesmo era se mandar para outras
plagas, livrando-se de índios, formigas, cobras e adjacências se o melhor que poderiam fazer por
aqui, que era transar com as índias, não
lhes era permitido usufruir, por serem
padres.
5.A defesa (das rés). Em 15 de janeiro de 1713 protestaram
as formigas em audiência de 15 de janeiro de 1713, formalizando, pelo seu
curador, o seguinte documento:
(...) Provarão as embargantes formigas que lhe não devem prejudicar as ditas
testemunhas José Rodrigues da Paz, Teresa do Rosário e Mônica da Paz, por serem
como são, terceiras da Ordem de São Francisco e particulares amigas do
reverendo autor e mais religiosos e por serem como são filhos de Antônio da
Silva Paz, procurador contra as rés embargantes e, nesta forma nunca não haviam
de querer dizer contra o Reverendo Autor embargado e na mesma forma(...)
Comentário. Ao colocarem as formigas suas defesas nas mãos
de um ser humano isso configura, sem dúvida, uma anomalia jurídica. Era de se
esperar que fossem defendidas por alguém do reino animal, outra formiga, ou na
pior das hipóteses, um cavalo ou um cachorro. A tradução não seria um grande empecilho,
já que, de regra, o linguajar jurídico é muitas vezes mais intraduzível, do que
a fala animal. De qualquer forma, apesar dos pesares a defesa das formigas na
medida do possível estava bem representada e o protesto tinha fundamento. Como
poderiam as acusadas aceitar o testemunho de gente que tinha vínculo com os
padres? E, por outra, quem testemunharia a favor das formigas? Por acaso foram
entrevistar alguma delas?
7.O julgamento e a sentença final. Embora perpasse uma névoa
de sombra nos registros existentes sobre o julgamento e seu desenrolar,
admite-se com um elevado grau de confiança que as formigas foram condenadas. Tudo
leva a crer que, como pena, foram obrigadas a se deslocar (via túnel que elas
mesmo construíram durante anos e anos, coitadas! ) para um lugar ermo e
abandonado na periferia da cidade que hoje sedia a penitenciária de Pedrinhas.
Uma prova de que foi isso mesmo o que aconteceu é que nunca,
em qualquer lugar e época do mundo, se foge tanto de uma cadeia via túnel como
lá, onde está assentada a famosa cadeia. Quem teria ensinado esses indivíduos?
Não seria uma herança maldita aprendida ao longo dos anos? Donde tanta
inspiração para furar túnel, fugir e voltar a roubar? O que comprova a formidável
herança obtida pelos criminosos atuais, daquelas que foram as primeiras
criminosas em massa do estado do Maranhão.
http://www.joseewertonneto.blogspot.com
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