artigo publicado quinta-feira no jornal
o Estado do Maranhão
Perdido sem saber onde está? Não se preocupe com isso, caro
leitor, a tecnologia está colocando cada vez mais à nossa disposição,
instrumentos capazes de nos localizar,
onde quer que estejamos. Uma antena ali, um satélite acolá, um celular
em suas mãos, e pronto. Geograficamente,
estamos achados, definidos, realizados. Ufa! Pelo menos em relação ao onde estamos parece que ficamos
resolvidos. Já, quanto ao quem somos...
Aí são outros quinhentos e, pensando bem, já seria querer demais.
Quem somos? Ora, para com isso, leitor, melhor
deixar esse assunto pra Deus e olhe lá, já que a coisa ao invés de melhorar,
anda ficando cada vez pior. Se a humanidade, como um todo, ninguém sabe o que
é, imagine você, pobre criatura, parte ínfima dessa humanidade! Quem é você?
Ora, vá se enxergar!
Bons tempos
aqueles em que um nome nos servia e em que, na falta deste, um apelidozinho nos
quebrava o galho. No século XXI e em pleno apogeu do nosso avanço tecnológico, para saber quem somos precisamos não só de um
nome mas, além disso, de senhas, muitas senhas. Tudo obedecendo àquela lei
fundamental da identidade no reino do modernismo: “Quando mais números
decorarmos para indicar quem somos, mais eles se tornarão insuficientes.”
“Estar é fácil, ser é que é difícil”
aprendi a filosofar, num belo dia em que
resolvi fazer uma transferência de valores pela internet. Precisei de
identidade, CPF, nome do pai, nome da mãe, CEP, palavra-chave e frase de
referência. Já estava na vigésima senha quando me pediram o nome. No auge da
minha ansiedade sonhei em como seria bom se houvesse, definitivamente, uma
única senha, para guardar todo o restante. Logo percebi que eu estava
delirando, tudo se confundia em minha memória, eu dava voltas, muitas voltas
sem conseguir chegar a lugar algum. Meu Deus, e agora? Eles pediam meu nome, eu
havia esquecido.
Irritei-me, mas
logo cheguei à conclusão de que não valia a pena. Não, não nos zanguemos com
isso, nosso nome é apenas um risco na memória alheia, há milhões de anos que
pelejamos para saber quem somos sem conseguir, é natural que uma máquina
desconfie da gente. Se um ser humano duvida de si mesmo a ponto de procurar outro
ser humano (no caso um analista) para
descobrir quem é, como se pode reclamar
da desconfiança de uma pobre máquina?
De incerteza
em incerteza, perseguido por números e senhas, dia virá em que seremos acusados
de assaltarmos nossas próprias senhas. Seremos julgados e condenados como
ladrões de senhas, hackers de nós mesmos. O suicídio surgirá como uma solução, ávidos que estaremos de que, pelo menos Deus,
no paraíso, saberá quem somos.
Mas não
nos iludamos. A tecnologia terá chegado
por lá também e São Pedro – imaginando que seja São Pedro aquele sujeito com capuz de santo e jeito de terrorista em frente a um notebook – exigirá:
“Digite a
senha”
“Como? Senha
de quê?”
“Para entrar
no céu, precisa de senha. Admira-me que
não saiba. Deus não lhe mandou a senha pro seu whatsupp pouco antes de você
morrer?”
“Pelo amor
de Deus, nem tenho celular. A única
coisa que sei é rezar o Padre Nosso, de cor e salteado. Será que não serviria
como senha?”
“Sinto
muito, senhor, mas sem senha, o inferno
é a serventia da casa! Se mande pra lá. É o único lugar do mundo onde ainda
dispensam senhas.”
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