sábado, 17 de outubro de 2015

ESTAR É FÁCIL, SER É QUE É DIFÍCIL!






artigo publicado quinta-feira no jornal
o Estado do Maranhão


Perdido sem saber onde está? Não se preocupe com isso, caro leitor, a tecnologia está colocando cada vez mais à nossa disposição, instrumentos capazes de nos localizar,  onde quer que estejamos. Uma antena ali, um satélite acolá, um celular em suas mãos,  e pronto. Geograficamente, estamos achados, definidos, realizados. Ufa! Pelo menos em relação ao onde estamos parece que ficamos resolvidos. Já, quanto ao quem somos...

            Aí são outros quinhentos e, pensando bem, já seria querer demais. Quem  somos? Ora, para com isso, leitor, melhor deixar esse assunto pra Deus e olhe lá, já que a coisa ao invés de melhorar, anda ficando cada vez pior. Se a humanidade, como um todo, ninguém sabe o que é, imagine você, pobre criatura, parte ínfima dessa humanidade! Quem é você? Ora, vá se enxergar!

            Bons tempos aqueles em que um nome nos servia e em que, na falta deste, um apelidozinho nos quebrava o galho. No século XXI e em pleno apogeu do nosso avanço tecnológico,  para saber quem somos precisamos não só de um nome mas, além disso, de senhas, muitas senhas. Tudo obedecendo àquela lei fundamental da identidade no reino do modernismo: “Quando mais números decorarmos para indicar quem somos, mais eles se tornarão  insuficientes.”





                                                   






            Estar é fácil, ser é que é difícil aprendi a filosofar,  num belo dia em que resolvi fazer uma transferência de valores pela internet. Precisei de identidade, CPF, nome do pai, nome da mãe, CEP, palavra-chave e frase de referência. Já estava na vigésima senha quando me pediram o nome. No auge da minha ansiedade sonhei em como seria bom se houvesse, definitivamente, uma única senha, para guardar todo o restante. Logo percebi que eu estava delirando, tudo se confundia em minha memória, eu dava voltas, muitas voltas sem conseguir chegar a lugar algum. Meu Deus, e agora? Eles pediam meu nome, eu havia esquecido.

            Irritei-me, mas logo cheguei à conclusão de que não valia a pena. Não, não nos zanguemos com isso, nosso nome é apenas um risco na memória alheia, há milhões de anos que pelejamos para saber quem somos sem conseguir, é natural que uma máquina desconfie da gente. Se um ser humano duvida de si mesmo a ponto de procurar outro ser humano (no caso um analista)  para descobrir quem é,  como se pode reclamar da desconfiança de uma pobre máquina?

            De incerteza em incerteza, perseguido por números e senhas, dia virá em que seremos acusados de assaltarmos nossas próprias senhas. Seremos julgados e condenados como ladrões de senhas, hackers de nós mesmos. O suicídio surgirá como uma solução,  ávidos que estaremos de que, pelo menos Deus, no paraíso, saberá quem somos.
            Mas não nos  iludamos. A tecnologia terá chegado por lá também e São Pedro – imaginando que seja São Pedro aquele sujeito com capuz de santo e jeito de terrorista em frente a um notebook – exigirá:





                                               





            “Digite a senha”
            “Como? Senha de quê?”
            “Para entrar no céu, precisa  de senha. Admira-me que não saiba. Deus não lhe mandou a senha pro seu whatsupp pouco antes de você morrer?”
            “Pelo amor de Deus,  nem tenho celular. A única coisa que sei é rezar o Padre Nosso, de cor e salteado. Será que não serviria como senha?”
            “Sinto muito, senhor,  mas sem senha, o inferno é a serventia da casa! Se mande pra lá. É o único lugar do mundo onde ainda dispensam senhas.”

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                                       http://www.joseewertonneto.blogspot.com



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