artigo publicado hoje no jornal O estado do Maranhão
CADÊ O SUICÍDIO?
Jose Ewerton Neto, autor de O ABC bem humorado de São Luis
Quando alguém
comete suicídio, pode-se dizer que essa pessoa deliberou consigo mesma para
chegar a essa decisão e que houve alguma contraposição dentro de sua mente, certo? Sim, porque a
decisão de chegar ao ato final passou por debates, postergações, conluios, entendimentos...etc. tudo a que têm direito dois
Eus -ou mais - em vias de tomar uma
importante decisão ( e bote importante nisso!) a respeito de uma vida comum.
Neste mundo
atual, em que proliferam os Eus numa única persona (devidamente liberados pelos
psicanalistas) não seria lícito supor que em qualquer decisão de alguém a
respeito de si, como essa, tomem parte
pelos menos dois Eus significativos, um a favor e um contra, e que o mais forte
acabe assassinando o mais fraco, ou vice-versa?
Esta visão
de dois Eus se engalfinhando até o limite fica muito clara quando se pensa no tipo
de suicídio em que esteja envolvido o sentimento de culpa. É aquele decorrente
da vergonha, da ignomínia e da mácula, quando evidentemente um Eu foi pego em
ato ilícito cuja desonra não foi aceita pelo outro (ao qual poderíamos chamar
de consciência). Ainda que os dois hajam cometido o opróbio de comum acordo, um
deles, o Eu que tem o orgulho de sua dignidade, despertou tardiamente para o
mal feito e cobriu-se de vergonha, preferindo morrer. Assim é que, em última análise dá-se, também no suicídio, o assassinato, a morte de
alguém perpetrada por um Eu que, opondo-se ao outro, não admite vida se não puder
exibi-la com honra.
Esse tipo de
suicídio, como se sabe, é comum acontecer
nos países de tradições morais rígidas, com valores éticos prezados por todos. Com alguma frequência, no Japão, na Suécia, na
Inglaterra ou Dinamarca, somos surpreendidos com a notícia de algum político
que, tendo enriquecido ilicitamente, não suportou a vergonha de encarar a face acusadora
da sociedade ou de sua própria consciência e preferiu penalizar-se, recorrendo
à morte para limpar-se da indignidade cometida. Isso acontece em muitos países,
dizíamos...
Porém, nunca
no Brasil.
Ora, por que é tão raro que isso aconteça por cá? Qual
a explicação para isso?
Conversávamos
entre amigos, outro dia, sobre os recentes casos de corrupção, tão propalados, quando
estranhamos o fato de que, mesmo diante
das evidências, a única demanda da consciência desses
cidadãos envolvidos é no sentido da fuga à responsabilidade. Chega a ser
tragicômico! Os elementos envolvidos compactuam com o ilícito com a mesma
naturalidade com que comem, dormem e respiram. Continuar no poder é o único objetivo
deles, jamais têm a coragem de confessar seus crimes e pedir perdão à sociedade
pelo que fizeram.
Capistrano
de Abreu dizia a respeito da falta de vergonha que grassava entre os brasileiros públicos, de sua época,
que esta nação só carecia que houvesse - e se cumprissem - duas
leis primordiais: 1) Todo cidadão
brasileiro é obrigado a ter vergonha 2) Revogam-se todas as disposições em
contrário.
Em face do
que se vê nos tristes episódios do lava-jato, petrolão, etc. nos quais autoridades
agarram-se a seus cargos com unhas e
dentes, mesmo confrontados a seus próprios desvios de conduta, surge mais uma interpretação
para essa atrofia tão brasileira de caráter. Esses indivíduos jamais recorrerão ao suicídio como
os arrependidos de lá fora e, tampouco, pedirão um dia perdão pelos seus
pecados justamente porque todos os seus vários Eus, e não apenas um, são
corruptos. Nasceram desprovidos de consciência e, consequentemente, de
vergonha.
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