quinta-feira, 12 de novembro de 2015

CADÊ O SUICÍDIO?





artigo publicado hoje no jornal O estado do Maranhão








CADÊ O SUICÍDIO?


Jose Ewerton Neto, autor de O ABC bem humorado de São Luis


                                                           


 


            Quando alguém comete suicídio, pode-se dizer que essa pessoa deliberou consigo mesma para chegar a essa decisão e que houve alguma contraposição  dentro de sua mente, certo? Sim, porque a decisão de chegar ao ato final passou por debates, postergações, conluios,  entendimentos...etc. tudo a que têm direito dois Eus  -ou mais - em vias de tomar uma importante decisão ( e bote importante nisso!) a respeito de uma vida comum.


            Neste mundo atual, em que proliferam os Eus numa única persona (devidamente liberados pelos psicanalistas) não seria lícito supor que em qualquer decisão de alguém a respeito de si, como essa, tomem  parte pelos menos dois Eus significativos, um a favor e um contra, e que o mais forte acabe assassinando o mais fraco, ou vice-versa?


            Esta visão de dois Eus se engalfinhando até o limite fica muito clara quando se pensa no tipo de suicídio em que esteja envolvido o sentimento de culpa. É aquele decorrente da vergonha, da ignomínia e da mácula, quando evidentemente um Eu foi pego em ato ilícito cuja desonra não foi aceita pelo outro (ao qual poderíamos chamar de consciência). Ainda que os dois hajam cometido o opróbio de comum acordo, um deles, o Eu que tem o orgulho de sua dignidade, despertou tardiamente para o mal feito e cobriu-se de vergonha, preferindo morrer.  Assim é que, em última análise dá-se,  também no suicídio, o assassinato, a morte de alguém perpetrada por um Eu que, opondo-se ao outro, não admite vida se não puder exibi-la com honra.


            Esse tipo de suicídio, como se sabe,  é comum acontecer nos países de tradições morais rígidas, com valores éticos prezados por todos.  Com alguma frequência, no Japão, na Suécia, na Inglaterra ou Dinamarca, somos surpreendidos com a notícia de algum político que, tendo enriquecido ilicitamente, não suportou a vergonha de encarar a face acusadora da sociedade ou de sua própria consciência e preferiu penalizar-se, recorrendo à morte para limpar-se da indignidade cometida. Isso acontece em muitos países, dizíamos...


            Porém, nunca no Brasil.


            Ora,  por que é tão raro que isso aconteça por cá? Qual a explicação para isso?


            Conversávamos entre amigos, outro dia, sobre os recentes casos de corrupção, tão propalados, quando estranhamos  o fato de que, mesmo diante das evidências, a única demanda da consciência desses cidadãos envolvidos é no sentido da fuga à responsabilidade. Chega a ser tragicômico! Os elementos envolvidos compactuam com o ilícito com a mesma naturalidade com que comem, dormem e respiram. Continuar no poder é o único objetivo deles, jamais têm a coragem de confessar seus crimes e pedir perdão à sociedade pelo que fizeram.


            Capistrano de Abreu dizia a respeito da falta de vergonha que grassava  entre os brasileiros públicos, de sua época, que esta nação só carecia que houvesse - e se cumprissem -   duas leis primordiais:  1) Todo cidadão brasileiro é obrigado a ter vergonha 2) Revogam-se todas as disposições em contrário.


            Em face do que se vê nos tristes episódios do lava-jato, petrolão, etc. nos quais autoridades agarram-se  a seus cargos com unhas e dentes, mesmo confrontados a seus próprios desvios de conduta, surge mais uma interpretação para essa atrofia tão brasileira de caráter. Esses  indivíduos jamais recorrerão ao suicídio como os arrependidos de lá fora e,   tampouco, pedirão um dia perdão pelos seus pecados justamente porque todos os seus vários Eus, e não apenas um, são corruptos. Nasceram desprovidos de consciência e, consequentemente, de vergonha.


                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com


                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


 

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