Sim, caro leitor, você é uma ilusão. Nosso eu é uma ilusão, não
passamos de ilusões. E nem estou me referindo à vida humana, essa de quem, com
muito maior razão, se desconfiava “A vida de alguém é a soma de suas ilusões”
já dizia Henry James.
Estou me referindo a esse Eu, que
todo mundo pensa que é e que, agora, a ciência desmente como apenas um conceito,
dissociado da realidade. Como diz o neurocientista Daniel Dennet em seu livro
“A perigosa ideia de Darwin”. Ele atesta,
assim como outros especialistas, que a mente humana é apenas uma constante
sucessão de ideias, lembranças, sucessões, projetos, sentimentos, disputa por
atenção etc. que passa por nossa consciência, de forma não linear. Para ele a
forma de dar sentido a esse turbilhão é dizer que há um Eu que está
experimentando, ou no comando de seus pensamentos. Mas esse eu unificado é
apenas um conceito, portanto, um impostor.
Para ilustrar essa realidade pode-se
imaginar o seguinte diálogo entre um homem e seu espelho, ao perceber que, dentro da moldura, a imagem o
encara fixamente, como se estivesse viva e fosse outro ser. O homem, intrigado,
pergunta àquele que julgava ser apenas a réplica de si mesmo.
- Quem é você?
- Eu sou você.
- Nada disso. Você é apenas a minha
imagem. Eu sou eu.
- Não se iluda. Eu sou você.
- Idiota! Se você for eu, quem,
afinal, eu sou?
- Uma ilusão. Somente isso e mais nada
além disso, meu caro.
- Ah, quer dizer então que eu como,
bebo, respiro, transo, posso te mandar à puta que pariu agora mesmo e, mesmo assim, eu não sou eu. Enquanto que você, sem corpo e
sem vida, por trás da lente de um espelho é a minha pessoa...
- Eu pelo menos sou sua imagem. Você nem isso, simplesmente é uma fantasia criada
por você mesmo.
- Essa é boa! Vejo que você pretende
me tirar do sério. Quer dizer que sequer uma imagem eu consigo ser, ou ter?
- Claro! Basta pensar. Daqui a um
segundo você já terá outra imagem. Eu poderei ser sempre sua imagem atualizada,
basta vir até a mim. Já você, ao sair daqui, pensará que sua imagem ainda será a mesma de agora,
esquecido de que esta já foi envelhecida pela passagem de mais um segundo. E, assim por diante, uma sucessão de rostos
se deteriorando até morrer.
- Peraí. E meu pensamento?
- Seu pensamento é uma soma de
sensações que você teve, imitou dos
outros ou lhe impuseram, portanto, nada exclusivo seu.
- E meu relógio? Meus pais? Meus
genes? Minha carteira de identidade?
- Não são seus. Você os tem apenas
provisoriamente.
- Nada existe então de meu? De minha
pessoa?
- Nada, você é pó, e ao pó
retornarás, lembra? Já eu não. Hoje sou você, amanhã posso ser outro, mais
outro. Pelo menos sou uma imagem. Valho mais que você.
- Miserável! Vou te matar criatura,
seja lá quem você for.
- Vamos lá, pegue uma pedra atire em
minha direção e me quebre. E assim perderá a oportunidade de continuar vendo a ilusão que você é. O resto é memória. Quando
fica.
José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas, cuja segunda edição
estará em breve nas livrarias
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