Estava dia 4, pela manhã, no
velório do confrade Waldemiro
Viana para me despedir de corpo presente, em oração e afeto, do amigo escritor que partia em definitivo, quando
recebi outra triste notícia, o também confrade e amigo MIlson Coutinho acabara
de falecer.
Num ambiente de Pandemia onde os cuidados protetivos não são suficientes
para servir de escudo contra o extravasamento da sensação de impotência e
fragilidade humana, imagine a repetição dessa pungente sensação com novo
impacto de melancolia e saudade. Permaneci no centro da cidade até chegar o
momento de repetir, mais tarde, a mesma
jornada de despedida, desta vez rumo à Academia Maranhense de Letras onde Milson Coutinho, outro amigo e confrade, estava sendo velado.
WALDEMIRO VIANA.
As qualidades pessoais de Waldemiro
Viana de companheirismo, afabilidade e alegria já foram tão decantadas por
confrades, amigos e parentes nas redes sociais, blogs e jornais que não cabe aqui repeti-las. A essas acresço
ainda mais uma: a ironia. Waldemiro
Viana era um formidável irônico do bem. Aquele tipo de ironia desconcertante no
trato das pessoas que faz desanuviar
semblantes carregados e emoldurar as faces compenetradas de sorrisos e
gargalhadas, mesmo nas ocasiões mais solenes, permitindo que todos escapem
brevemente da seriedade protocolar.
Essa ironia, dom de poucos, Waldemiro
Viana carreou para seus romances
explicando-se assim a sedução que sua escrita exercia nos espíritos mais
propensos à liberdade - e não apenas de sua livre interpretação no trato
ficcional dos personagens e dos fatos. Assim, até nas situações mais
angustiantes de A Tara e a Toga, um
romance policial de ficção histórica baseado
no icônico e rumoroso caso do Desembargador Pontes Visgueiro, Waldemiro adicionava
a sua verve peculiar, que permitiu aos leitores, mesmo no momentos cruciais da
história , rir das desgraças humanas. Em outro livro A vez da caça (atenção para a curiosa escolha dos títulos segundo
essa tônica), idem quando nas situações
mais inusitadas e imprevistas, o cinismo e a falta de escrúpulos desses
anti-heróis fazia com que torcêssemos por eles, como amigos a quem se perdoa o cinismo em nome
de espírito aventureiro, como tantos
leitores torceram por Tom Jones, do escritor inglês Henry Fielding, à reboque
de uma narrativa, como as de Waldemiro, eivadas
de deliciosa ironia.
MILSON COUTINHO
Milson Coutinho também era da estirpe
dos que fazem amizades sinceras e perenes com muita facilidade, a par dos
cargos de comando que exerceu, onde nem sempre é possível agradar a gregos e
troianos.
Literariamente Milson Coutinho
enveredou por um gênero de elaboração árdua e complexa, que é o da Pesquisa Histórica, tornando-se na AML e na intelectualidade maranhense um dos
expoentes dessa corrente dedicada a esse trabalho de reavivar, documentalmente
ou com alguma liberdade de interpretação, memórias e fatos que precisam ser preservados.
Isso exige dedicação, agudeza e
desprendimento e, sobretudo, generosidade, pois é um presente concebido,
principalmente, para as gerações posteriores, ocorrendo muitas vezes que estas
sim é que reconhecerão mais largamente o presente que lhes foi doado. Fico
imaginando que ao autor dessa epopeia fundamental para os maranhenses A revolta de Bequimão só faltou
brindar-nos, com aquela que seria outra obra preciosa: a sua autobiografia,
sobre a sua trajetória tão rica e tão aplaudida por todos.
José Ewerton Neto é membro da Academia Maranhense de Letras e autor do livro O entrevistador de lendas
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