artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
Personagens chaplinianos,
anti-atléticos, desprovidos de beleza física
ou inteligência especial, a quem somente a genialidade seria capaz de sacá-los
do lodo da história para convertê-los em mitos, no panteão de guerreiros e
ídolos cultuados por uma nação .
Personagens que parecem saídos da
ficção mas que, com certeza, vieram da
dura realidade dos desesperançados das favelas e periferias. Personagens que, não
fosse pelo futebol, estariam condenados ao esquecimento e ao abandono, mas a quem Deus, um dia, parece ter depositado na testa dos mesmos uma
estrela dizendo: “Vai estrela, brilha no caminho desses gauches da vida, e os
torna dribladores do destino”.
E deu-lhes a paixão por uma bola de
futebol para exercitar justamente isso: o drible. Ao iniciar no Botafogo,
Garrincha foi visto de longe pelo craque
Nílton Santos, merecendo dele o comentário irônico: “A coisa ta feia por aqui. Até
aleijado aparece para jogar futebol!” Mas
o aleijado tinha paixão, de fato, pelo drible e ao colocar a bola pelo vão das
pernas do craque começou a escrever a sua história .
O outro, argentino, franzino,
atarracado, cara de índio, cujo biotipo
parecia mais apropriado a um futuro vigia de puteiro. A quem tive a sorte de ver quando sua fama
despontava, no Maracanã em amistoso contra a seleção brasileira. Então, o índio
atarracado não precisava driblar o inferno da droga para chegar ao céu, tanto que eu pude ver o paraíso em seus pés,
sem que ele sequer se esforçasse para isso.
A trajetória de ambos fora dos campos
todo mundo sabe. Um se entregou à bebida, o outro às drogas. Após a morte do
ídolo argentino, sob o manto da comoção generalizada esperei que da parte dos comentaristas houvesse uma
menção à Garrincha , o gênio das pernas tortas que nos deu duas Copas . No
entanto, veio a alusão a um Airton Sena,
parecido ao argentino apenas no final precoce.
A comparação nada tem a ver. A
engenharia e a precisão das corridas de Fórmula 1 não permitem a magia do
futebol para amaciar mecanismos, como a uma bola. Ali o que predomina é a
condição tecnológica do equipamento onde
não há espaço para mágicos, mas para os intrépidos. Sequer nas origens se
pareciam. Ayrton Sena era filho de gente aquinhoada, se pareceu com Maradona na
tragédia que comoveu os dois países, mas foram distintos nas paixões, na
irreverência e nos sonhos.
“Sua ilusão entra em campo no estádio vazio, e
ainda na rede balança seu último gol ”. O som da antiga balada composta em
homenagem a Garrincha, interpretada por
Moacir Franco, ressoa insistente em meus ouvidos Talvez porque devesse ser executada agora também nas rádios
argentinas, transformada num tango, que
os meninos da Villa Fiorito, onde nasceu Maradona, cantariam para homenagear aquele que foi seu maior ídolo.
Música Balada no. 7 Moacir Franco em homenagem a Garrincha
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