SÓ FALTA DOAR A ALMA
José Ewerton Neto
Volta e meia surgem reportagens estimulando as Doações, em si
uma atitude de generosidade que só engrandece quem as pratica. O problema são
as incompatibilidades.
Isso mesmo. Junta de cientistas acaba de descobrir que os
órgãos dos pobres são incompatíveis para os ricos, por isso sugere que o potencial
beneficiário rico pense duas vezes antes. A questão não é mais de
desprendimento e generosidade, mas do que foi feito dos corpos dos pobres ao
longo dos séculos.
Cabeça. A cabeça do pobre não serve para
rico. É cheia de vazios ou, melhor dizendo, de buracos mesmo. Reais ( porque
mora em um ) e imaginários ( se não sonhar com um buraco prazeroso , vai sonhar
com o quê?). Pobre não pensa no futuro e
no passado e sempre acha que o presente é melhor esquecer, ao contrário dos ricos. Definitivamente, um
rico não aguentaria por muito tempo a cabeça de um pobre em seu pescoço.
Pé. Todo pobre é pé-de-chinelo, portanto,
pé suado e arrebentado, sofrido, de
andar muito. Calça sandálias sem qualidade, depósitos de fungos e bicheiras. Não serve
para circular em shopping-centers de luxo nem para subir em
transatlânticos rumo ao exterior. Para o
rico o pé de um pobre nunca vai dar pé.
Sangue. O sangue do pobre é sangue-de-barata. É sangue que não
transmite vibração, a não ser quando está dançando reggae, forró, ou apanhando
da polícia. Jamais serviria para um rico que precisa possuir o sangue azul dos
nobres e arrogantes.
Peito. O peito do pobre é peito aberto, se
não for pela natureza cordial é por causa de bala perdida ou endereçada. É um
peito incompatível com o organismo do rico que precisa ter o seu absolutamente
fechado para as coisas que considera
bobas, como solidariedade e honestidade.
Pele. A pele do pobre é pele-de-cordeiro,
de animal manso e obediente. Já a pele do rico tem que ser no mínimo parecida
com a pele de um leão, de casca grossa, própria para a ferocidade de atacar quando
põe a mão na grana dos mais humildes.
Olho. O olho do pobre conduz um olhar pedinte, subserviente, que só aumenta de tamanho quando leva um
susto. Jamais se adaptaria às órbitas do olho de um rico, que precisa ter o olho- grande para se dar
bem.
Enfim, os
cientistas descobriram que o pobre não serve mais nem para DOADOR. Está mais
para doa-dor do que para doador. Só falta agora que doem as almas.
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