QUE
O POETA ME PERDOE ...
José
Ewerton Neto
“Que me perdoem as apenas belas, mas a ternura,
esta sim, é fundamental.”
O poeta Vinícius Moraes cometeu um dia uma
sentença que, infelizmente, continua servindo de inspiração para machistas,
galãs frustrados e colunistas sociais/influenciadores do terceiro time “ Que me
perdoem as feias, mas a beleza é fundamental! ”...
Essa frase de rasa inspiração se coaduna nos
tempos modernos aos interesses comerciais da indústria da beleza a propagar que
a aparência física foi tornada uma meta alcançável mesmo que, em nome disso,
tantos desatinos e até crimes sejam cometidos. O preço dos procedimentos
cirúrgicos não importa e a meta de tornar-se mais bela transformou-se em uma
das principais angústias da mulher moderna, somada a tantas outras: como cuidar
dos filhos, trabalhar, suportar o egoísmo e as frustrações dos parceiros e,
ainda por cima, tendo a obrigação de manter a esperança diante das
adversidades.
Pode-se argumentar que a valorização da
aparência sempre foi natural na espécie humana por estabelecer uma vantagem
competitiva na luta pela sobrevivência. No passado, as mulheres curvilíneas e
voluptuosas faziam a cabeça de artistas e pintores o que estaria mais de acordo
com a natureza feminina e o seu maior objetivo de vida que é a procriação. A
exigência da magreza para ser atraente, uma invenção modernosa, no entanto
virou tendência e vai de encontro a adequação do corpo da fêmea para enfrentar
o desgaste físico e mental consumido pela gestação. Essa exigência, um tema
obsessivo nas conversas das mulheres, torna-se massacrante e singularmente
desvantajosa para elas quando contraposta ao que se exige para o homem, para
quem bastam o poder ou a fama.
Mas o que é mesmo a beleza? Aí é que está. Num
meio ainda dominado pelos homens a beleza das mulheres busca-se concentrar nos
seus atributos físicos fazendo com que mesmo quando possuidoras de outras
qualidades estas não sejam apreciadas na mesma escala de valores. Não soa
estranho, portanto, que vítimas dessa ditadura que lhes é imposta, as mulheres
não se apercebam que se tornaram escravas de uma armadilha e que se submetam a
participar do jogo. Não se dão conta de que o sexo oposto, ainda dominador, dá
as cartas nessa direção praticando um jogo oportunista que degenera na
prostituição de menores, potencialmente mais atraentes, e que também se revela
na prática popular de xingarem seus iguais empregando para desqualificá-los o
apelido do órgão sexual feminino ( Zé B...) , numa manifestação de desprezo e
grosseria pelo sexo do qual propagam gostar. .
Embora tenha havido progressos ainda são poucos
os homens que se dotaram da sensibilidade de enxergar que a grande verdadeira
beleza da mulher está no seu potencial de gestação desenvolvendo e criando um
novo ser vivo, o que é acessível a todas elas indistintamente e jamais ao
homem.
Nenhuma paisagem ou obra de arte por mais bela
que seja se eterniza com tanta perfeição como o olhar terno de uma mãe
endereçado a um filho, portanto o poeta Vinícius de Moraes – que por sinal era
barrigudo e feio – devia ter acordado de porre e mal-humorado, justamente ele,
que fez sensíveis construções poéticas a elas endereçadas.
Através delas e da memória da época chega-se ao
seu contemporâneo, o guerrilheiro Che Guevara, que criou outra frase
eternizada, desta vez pela sabedoria e delicadeza que diz “Tem-se que endurecer
sim, porém, sem jamais perder a ternura. ” Da junção das duas se chegaria a
algo certamente muito mais de acordo com o talento do poeta e de sua gentileza:
“Que me perdoem as apenas belas, mas a ternura, esta sim, é fundamental! ”
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