“Guerra da Amazônia e outros contos, de Valmir
Seguins, foi lançado
semana passada, 11 de outubro na livraria da AMEI, shopping São Luís.”
Ao
ler os contos deste livro de Valmir Seguins, o leitor comum (aquele que compra
o livro somente pelo prazer da leitura) jamais se pergunta se aquilo que está
lendo é realidade ou ficção.
Sim, porque para ele não interessa se o
fato descrito aconteceu de verdade, pois, seduzido pela narrativa, está mais
envolvido em chegar ao final da história o quanto antes para desvendar o que o
encadeamento dos acontecimentos lhe reserva de misterioso ou pitoresco, eis
que, desde o primeiro conto lido, sabe que o autor lhe reserva algo desse tipo.
Em suma, o leitor não está interessado na fidedignidade dos fatos porque ele
segue motivado apenas pelo prazer de ler, no afã de consumir palavra por
palavra, vírgula por vírgula, um conteúdo que lhe faz sorrir, refletir, ou
recordar algo parecido com o que já presenciou ou viveu.
Ao ler esses mesmos contos o leitor de
perfil mais literário ou acadêmico (aquele que exerce a leitura, também por um
dever de ofício e que, portanto, adquiriu intuitivamente a inclinação investigativa
de perscrutar o que está se passando nas entrelinhas entre o autor, o narrador
e os personagens de sua criação), aquele
que tanto pode ser um mestre em literatura, um praticante de jornalismo literário, um resenhista ou um bom
escritor, também a ele, jamais ocorre se
perguntar, pelo menos enquanto estiver lendo, onde começa a realidade e termina a ficção ou
vice-versa.
Sim, porque também ele foi seduzido
pelos artifícios usados pelo autor Valmir Seguins que arrebataram o leitor
comum, acima. Ou seja, histórias sempre interessantes e factíveis, por mais
bizarros que possam parecer certos elementos do ambiente, picantes e, na
maioria das vezes, divertidos, escudados por descrições minuciosas da geografia
do local com riqueza de detalhes, tornando-as íntimas para o leitor. Inclusive
as siglas de instituições ou organismos governamentais, que saltam da descrição
dos fatos como se extraídas do profundo poço da memória de cada um, ainda
ressoando familiares, trazidas do passado e incorporando-se aos personagens
descritos.
Teriam sido reais? Mas, que isso
interessa, de fato? Talvez seja uma artimanha do autor para dar credibilidade
ao que está sendo narrado ou não, mas isso pouco importa para o leitor, seja qual for o seu
tipo. O que interessa é que a
arquitetura da narrativa se tornou de somenos diante da simplicidade e da
objetividade do enredo; que vai direto ao ponto para, assim, primeiro granjear
a atenção do leitor e, depois, conduzi-lo
à epifania final. Como um prédio bonito, diante de cuja visão impactante
o transeunte se detêm para apreciar, mas a quem jamais ocorre indagar como o
arquiteto fez para chegar a um monumento artístico.
Pois
é isso que distingue os contos deste livro: histórias bem contadas que
arrebatam o leitor por caminhos pitorescos, curiosos e humanos, próprios da
vida comum. Os personagens do autor, portanto, não são de natureza heroica, são apenas
humanos, demasiadamente humanos, como disse o filósofo. Como, por exemplo, esse
impactante e imprevisível personagem chamado Coisinha do conto com esse título: um magnífico representante dessa
coisa abrangente e heroica chamada de ser humano.
Já
foi dito que a tarefa do romancista é chamar as coisas pelo devido nome antes
de transformá-las em símbolos, o que parece um ótimo conselho a escritores
interessados em criar algo como “a ilusão da realidade. ”
Percebe-se, de pronto, que o autor Valmir
Seguins não está interessado nisso, embora possa estar fazendo isso, porque
está pouco preocupado com a teoria literária. Ele quer simplesmente contar uma
boa história explorando a riqueza humana de personagens como Coisinha, do conto
com esse título, como o bêbado contumaz de O
bêbado perdido, como o intrigado descobridor Anacleto de As
tamboeiras de milho de Vaca Velha, como a maliciosa Aline do conto Aline
etc. Assim como nos mil episódios de Decamerão
que fez a glória de Giovanni Boccacio, são histórias talvez contadas para o
autor ou que ele viveu ou que imaginou, já que, como todo escritor atento ele
tem asas para imaginá-las ou enriquecê-las. Sendo um precioso observador e
tendo afinidade com o “humano” como tinha o escritor italiano, é um
pescador das riquezas cotidianas que concedem àquele que as interpreta e as propaga,
a fortuna do dom de Deus das pequenas
coisas, (se me permitem recorrer ao belo título do romance da indiana Arundhati
Roy)
Se Oscar Wilde um dia
disse que a realidade imita a ficção muito mais que o vice-versa, estar no
limiar dessa ambiguidade praticando o ofício de escrever e sair ileso das incursões
nesse território, tornadas irrelevantes graças ao prazer da leitura que
proporcionam, é o de melhor que pode acontecer a um escritor. Esse, creio, é o tal do dom de narrar que
segundo Mia Couto empobrece definitivamente aquele que não o possui.
Sendo assim o
escritor Valmir Seguins é um homem rico, graças ao seu virtuoso manejo da arte
narrativa, privilégio de poucos. Como também são ricos os leitores que ganharam
a fortuna prazerosa de se deliciarem com
essas páginas.
José Ewerton Neto, romancista e poeta, pertence à Academia Maranhense de Letras, onde
ocupa a cadeira 11.
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