segunda-feira, 22 de junho de 2009

O DEUS INTERNET

O DEUS INTERNET ( artigo do jornal O Estado do Maranhão, seção Hoje é dia de ( aos sábados)


Jose Ewerton Neto, membro da AML, autor de Ei, você conhece Alexander Guaracy?




ewerton.neto@hotmail.com




Você pode fazer o que quiser na Internet, a Internet pode fazer o que quiser de você. Décadas atrás, quando Deus ainda não era tão execrado pelos cientistas, dizia-se o mesmo em relação a ele. Tudo indica que o mundo atual move-se em direção a preferir a Internet como o novo Deus, ou pelo menos uma nova espécie de deus.
No começo, usava-se a Internet apenas como um tipo de pombo-correio da vida moderna até que ela se tornou, pouco a pouco, a referência para tudo e mais alguma coisa. Desnecessário listar o que já pode se fazer nela: sexo, pedofilia, música, fuxico, exposição, operação bancária, jogos e..Semana passada, no entanto, surpreendi-me com mais algumas. A primeira delas: a venda de hóstia pela Internet. Ou seja, o corpo de Deus já pode ser adquirido pela rede, como não mais o Deus total, absoluto, mas em pedacinhos, para consumo.
Na mesma edição do jornal, deparei-me com outra, um
concurso de poesia cujo premio é de nove mil reais. Nada tão corriqueiro, não é mesmo? De fato, mas em se tratando de poesia, trazendo uma bizarra surpresa: a decisão do concurso não dependerá de uma análise de escritores ou especialistas, mas de um julgamento baseado na avaliação dos internautas. Dos internautas? Isso mesmo, as coitadas das poesias ficarão à mercê dos mesmos julgadores que outro dia chegaram à brilhante conclusão de que Ronaldo Fenômeno foi melhor do que Pelé. O que seria de Gonçalves Dias, se ele vivesse hoje? Finalmente, ainda na mesma edição do jornal, a informação de que a partir de agora você pode ter a sua própria televisão na Internet. Como se fosse um Silvio Santos.
Mais do que surpreendente, há algo de patético na percepção de
que, se antigamente você não podia se desgarrar da frente de uma televisão, a partir de agora você vai poder tira-la de si . Pois é, você é uma televisão e não sabia. Refletindo bem, nada mais natural: a Internet e a televisão são irmãs siamesas em seus propósitos de produzirem ilusão em benefício do maior prazer de todo ser humano, que é o de fugir, a qualquer custo, de sua própria realidade. Não é de estranhar que se entrelacem no objetivo comum de promoverem o escapismo diante da fragilidade mental da maioria dos espectadores. Como Susan Boyle.
Todos lembram do episódio: a moça inglesa, pobre, desengonçada e feia, de repente foi alçada, através de um programa de calouros, à condição de celebridade. O mundo inteiro se deslumbrou com a moça, num frenesi que só encerrou quando os mentores do programa decidiram que dela não mais precisavam, porque o objetivo maior do programa, que era a audiência, havia sido atingido. Tendo cumprido o seu pungente - e grotesco papel – Susan podia agora ser reduzida ao que sempre fora: uma caçadora de sonhos, só que, a partir de agora, premiada com uma psicopatia, decorrente da frustração de ter tido seu sonho massacrado, justamente por aqueles que o venderam.
Fato equivalente aconteceu anos atrás, aqui mesmo, em São Luis. Para participar do programa Se vira nos trinta um pobre homem da periferia de São Luis, esforçou-se tanto em praticar estripulias que acabou se matando. Desta vez, o causador virtual de sua morte, o apresentador Faustão, idealizador domingueiro de patacoadas para deleite de pobres de espírito, sequer tomou conhecimento do caso. Ora, para quê? A vida perdida do rapaz pertencia a um mundo diferente do seu, cuja ocupação mais salutar em benefício da sociedade é a de contar as cédulas do seu salário astronômico de 5 milhões de reais.
Em recente artigo a respeito da menina Maysa e do efeito
transgressor (em sua infância) dos manipuladores de imagem escreveu Ivana Bentes ao caderno Mais, da Folha de São Paulo: “ Nós, telespectadores somos a matéria-prima em diferentes sentidos.... Somos nós que emprestamos nosso tempo, nossa subjetividade e nosso imaginário para criar valor na tevê. Ou seja, o que a mídia vende não é a publicidade – somos nós mesmos.” Sabendo-se que todo ser humano é indefeso diante de um elogio, o elogio da mediocridade como se vê em tantos programas como o Big-Brother, Faustão e tantos outros, faz parte de um jogo previamente inserido no que poderia se chamar de religião midiática para que seres humanos sejam cada vez mais e continuamente iludidos por gente boçal, porém muito esperta.
Deus é pop, exibe a capa da Época, e tenta comprovar isso
com frases com as da diaconisa Julia: “Deus está bombando”, ou da existência de redes de relacionamentos como a intitulada “ Mais Deus, menos religião” que, criada por Rafael Lins, de 19 anos, já tem mais de seis mil participantes. Isso sugere que já não existem mais divindades absolutas, e o Deus atual depende, para sua sobrevivência, menos da fé do que das elucubrações à solta na rede, onde cada um pode, a qualquer instante, inventar o seu próprio Deus.
Os cientistas atuais vociferam contra a existência de Deus e ao proclamarem: “Não existe mais Deus”, devem estar com a razão. O céu e o inferno já não estão além . O inferno, que para Jean Paul Sartre era os outros, agora é você mesmo, seu medo de ficar só, sua incapacidade de gostar de si, de ler seus livros ou cultivar seu talento pessoal. Já o céu, ora, o céu são quinze segundos de fama e poder.
Corramos, pois, para o paraíso: a Internet e a televisão nos esperam e a corrida nem é tão longa assim!

Nenhum comentário:

Postar um comentário