terça-feira, 21 de julho de 2009

Artigo publicado no jornal O estado do Maranhão, ultimo sabado

SOBREVIVENTES DOS PENSIONATOS

José Ewerton Neto, engenheiro, membro da AML, autor de Ei, você conhece Alexander Guaracy?

ewerton.neto@hotmail.com




São eles: jovens, lutadores, intrépidos. Antigamente moravam em repúblicas, hoje moram em pensionatos. As repúblicas eram mais fechadas: clubes de Luluzinha e Bolinha, os pensionatos de hoje são abertos, permitem a convivência dos sexos. Antigamente os das repúblicas queriam mudar o mundo, mas o sonho acabou, disse John Lennon, e os do pensionato, hoje, mais pragmáticos, só querem o justo sucesso, encarando os reveses da vida com muito humor e ironia. Usando um pouco dessa verve , que lhes é tão característica, destacamos alguns dos seus tipos mais comuns:


Rafinha, 22, estudante de fisioterapia. Diz que gostava mesmo era de fitoterapia, mas acabou confundindo-se e fazendo vestibular para fisioterapia. É considerado a alegria da casa, principalmente no fim do mês, porque é o único que ainda tem grana para emprestar para a turma. Vive trocando a pronuncia das palavras. E-mail, pronuncia eu meio, e Google pronuncia gagogo. Os outros desconfiam que isso não passa de uma estratégia para não dar a impressão de que seu português é ruim assim mesmo Além de trocar palavras troca também namoradas, chaveiros de times de futebol e cedês piratas. Ultimamente, anda na fase de tentar trocar suas respostas nas provas, com quem não for muito esperto.
De onde veio: da barriga de sua mãe
Apelido: Rafael
Despesas mensais: 700 da faculdade mais 400 com jogos de qualquer espécie, mas o que mais aprecia é jogar suas apostilas no lixo. O dinheiro do pensionato, empresta a juros.

Patricia, 25, estudante de psicologia. Considera-se a musa do pensionato, desde que foi eleita numa eleição indireta, apenas com a presença de sua colega de quarto. Na eleição direta, com a presença da maioria, ao invés de musa foi eleita a me-usa. De personalidade conflitante, tem horror a ser considerada Patricinha, a ponto de pedir para ser chamada Teresinha mesmo tendo o nome de Patrícia. Instável, sabe brigar, pelos seus direitos e reivindica a três por quatro o direito de poder usar calcinhas alheias. Voluntariosa, sabe armar um barraco com mais perfeição do que consegue ligar um liquidificador. Cozinha tão bem que deixa todo mundo com água na boca, já que o melhor das refeições que prepara é a água que distribui depois. Não sabe concluir uma frase sem que use o “doido” ou “doida” e como também não sabe iniciar uma frase sem que use o “doido” ou “doida” todo mundo, acha que, no fundo, ela quer ser psicóloga para descobrir o que existe no meio do que não diz.
De onde veio: Da praia ( sempre)
Apelido: Patê: Pa de patrícia e tê de Teresinha.

Celina, 22 é estudante de direito. Jamais passa despercebida, porque seu principal meio de comunicação é um grito. Quando fica rouca de tanto gritar ás vezes pede emprestado o grito da colega. De manhã, aproveita o canto do galo ou o latido do cachorro da vizinha. Solitária, já tentou por várias vezes namorar pela internet mas gritou tanto que assustou o cara do outro lado. Gosta de ouvir música de fossa e forró. Seu professor de Direito Constitucional lhe explicou que o que há de comum entre os dois ritmos é a referência à merda: o primeiro no nome, o segundo na qualidade.
Despesas mensais; 800 da faculdade, 400 do pensionato e alguns pensamentos.
Tempo de pensionato. Faz tanto tempo que tem a impressão de que está virando pos-graduada em pensionato.

Luana, 33, estudante de odontologia. Resolveu entrar na faculdade de Odontologia na esperança de um dia conseguir tirar um aparelho dentário, que carrega desde o tempo de criança (desconfia que era de sua mãe) Muito carente chora até quando lê bula de remédio que, juntamente com O Alquimista, de Paulo Coelho, é o seu romance predileto. Morre de saudade da família, do namorado e, às vezes, até das namoradas do mesmo. Quando existem sessões de vídeo na casa e passa filme de terror, ela se lembra de sua primeira aula prática extraindo um dente, grita tanto que vira a atriz principal.
Apelido: (bebê de proveta, por causa do tamanho). Explica que até hoje sua caligrafia é péssima, por ser tão baixinha que nunca conseguiu escrever uma letra maiúscula.
Despesas mensais: mil reais da faculdade, mais pensionato, mais o que paga para um rapaz de 18 anos - um flanelinha, que ela gratifica para fingir que é seu namorado e lhe levar para show de forró e Vale Festejar.

Rosiris, 24, estudante de engenharia. Já tinha na bagagem experiência em pensionato, quando morava em Teresina. Sua mala é tão grande que tem gente que desconfia que ao tentar trazer o pensionato junto, descobriu sua vocação de engenharia. Acredita que toda experiência é válida pelo amadurecimento pessoal, por isso prefere frutas maduras, filmes maduros, professores maduros, e um coroa maduro - para que a sua juventude seja menos dura. É a mais descolada da casa, vive se soltando de si; as amigas, desesperadas, tentam cola-la de volta mas não tem jeito: só vários dias depois que passa a ressaca. Fã de Norah Jones teve de deseducar seus ouvidos para poder encarar as forrós e os reggaes, tão disputados pelo resto da turma. Acabou deseducando também os dedos dos pés que raramente vêm um desodorante e os das mãos, que costumam avançar em busca de melecas - no nariz dos outros.
De onde veio: lembra-se vagamente que estava num berço de hospital
Tempo de pensionato: dois invernos, quatro verões e Vocês verão!

Alvadina, 24, É a CDF oficial do pensionato e o CPF também, já que ela costuma empresta-lo como objeto de utilidade pública pois é única da casa ( e da rua) cujo nome não está no SPC. Faz duas faculdades Arquitetura e Administração, mas acha que não vai conseguir passar em nenhuma, porque até hoje não soube administrar o tempo para arquitetar uma vingança contra quem lhe chama de Dina-ssaura. Chega sempre de noite varada de fome e, às vezes, de vara mesmo. Sua ânsia de estudar é tão grande que coleciona frases de Lairton dos Teclados, notas baixas em matemática e editais de concursos, o ultimo dos quais o da Raposa, onde passou dois dias na fila para se inscrever no concurso de merendeira.
De onde veio: do Piauí
Apelido: Dinas-saura
Despesas: do Pensionato, mais despesas sociais, mais despesas de concursos.

Fernando, 23 estudante de medicina. Divide o tempo entre a faculdade, a namorada, o violão e o trabalho – não oficial - de guardador de carro na Praia Grande. De lá tira o dinheiro para pagar a faculdade no fim do mês. Dá que sobra. Considerado o mais preguiçoso da casa não vai até a esquina a pé, porque a preguiça não deixa. Ele explica que isso são ossos do ofício, porque para trabalhar e estudar não precisa arredar o pé. (Embora seja péssimo em Anatomia, ele diz que desse tipo de osso ele entende.) Quando está cansado começa tocar violão, para que todos saiam de casa e ele possa dormir tranqüilo.
Apelido: Milionário
Despesas: Neste fim de ano compra um carro. Já comprou até a carteira de motorista, com o cartão de crédito da Íbis CA

Ligia, 19. estudante de enfermagem.
É a mais calada da casa por isso tem gente que anda querendo usar a sua boca para que esta não perca o prazo de validade. Quando, raramente, abre a mesma solta pérolas do tipo: sou louca por dinheiro! Ou seja, custa tanto a falar que quando fala a frase já vem vencida, usada e abusada. Já teve vontade de explodir quando queria estudar e os outros não deixavam, mas ficou com medo do barulho passar a ser mais requisitado do que o som de axé do som de Rosiris. Tem uma tosse crônica, que ela diz que é sotaque do Ceará.
De onde veio: do Ceará, ou melhor, de uma banda de forró
Despesas mensais: o pensionato, a faculdade, mais o que ela escuta de graça.
Apelido. Os outros nunca perderam tempo em colocar porque, como ela não fala, nem vale a pena ficar chateada.

Um comentário:

  1. Texto bem legal, uma alegoria cheia de ironias e de bom humor. Abraços, Ewerton!

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