segunda-feira, 6 de julho de 2009

UM CONTRATO PARA MICHAEL(JOHN E ELVIS)


UM CONTRATO PARA MICHAEL (JOHN e ELVIS)



“De todos os mecanismos de fuga a morte é o mais eficaz.” H.L.Mencken



José Ewerton Neto, membro da AML, autor de Ei, você conhece Alexander Guaracy?

ewerton.neto@hotmail.com




Em algum momento, morte e vida parecem estabelecer um contrato em relação ao futuro de alguns seres humanos. Como se a vida dissesse : “Quero que estes sejam meus e suas trajetórias sejam fulgurantes” e a morte concordasse, mas impondo suas condições: “Tudo bem, mas assim que começar a decadência, eu os arranco para mim.” Assim, nesses seres especiais, escolhidos em meio à horda humana vão se conjugar talento, fama, dinheiro, solidão, stress, decadência e morte precoce. Ou será apenas por coincidência que Elvis Presley, John Lennon e Michael Jackson, os símbolos máximos da música pop e da juventude moderna, tenham tido trajetórias de vida tão parecidas?


Talvez, mas como se pareceram desde o início! Infância conturbada (recente biografia de John sugere que ele tinha relação incestuosa, não resolvida, com a mãe, e o menino Jackson sofria com os estupros que seu pai praticava com uma de suas irmãs), juventude arrebatadora à reboque de talento precoce, vida adulta transbordante de drogas, amores insatisfeitos, e fama, muita fama. A montanha de dinheiro surge como conseqüência e não como principal objetivo. Afinal de contas, o móvel de suas vidas é a fama e o brilho: a consciência do próprio talento não os deixam raciocinar com a mente chã dos carreiristas de multinacionais e órgãos públicos. Alguém há de ponderar que os Beatles ainda não morreram todos e que John não tombou de overdose, mas foi assassinado.


Enganam-se; pois os Beatles já estavam mortos desde que se fragmentaram (o sonho acabou, dissera John e ele sabia melhor que ninguém que a vida acaba quando o sonho acaba). Sua morte, por mãos estranhas, apenas incorporou o trágico para emoldurar o tédio de quem não suportaria a decadência no rumo do homem comum, ao aceitar, como válvula de escape para suas indagações artísticas e existenciais, a convivência com uma artista vulgar e sem brilho como Yoko Ono. Como se a morte - do contrato acima - tentasse preservar o ídolo, transformando-o em mito, para que ele não aportasse à velhice anódina e quotidiana, própria dos que envelhecem à deriva de um brilho que já não há, como tantos artistas – só para lembrar os do ramo musical brasileiro- Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e outros. Noel Rosa, outro que morreu cedo, claro, é de outra estirpe.


O apogeu desses três músicos, a ponto de terem se transformado em lendas, não teve raízes apenas no talento, mas no fato de incorporarem, em determinado instante de suas vidas, a tradução das aspirações de jovens cuja “rebeldia sem causa”, inerente ao universo de perspectivas conflitantes num universo cada vez mais inseguro, escolhe na música e no comportamento de seus ídolos, o escoadouro para seus horizontes limitados. Elvis Presley, o primeiro, encarnou com seus requebros e sua música sedutora, a promessa visual dessas realizações. John Lennon (os Beatles), inspirado no primeiro, projetou a fugaz possibilidade de um universo novo, contestador e realizável; e Michael, Jackson, embora perdido nas elucubrações de um novo poder; o midiático, num mundo já fragmentado e sem ilusões, mesmo assim era o sobrevivente da eterna utopia, a referência ainda possível para milhões de adolescentes do mundo todo.


Sem dúvida, foi apenas com os Beatles que as aspirações juvenis ao longo de todas as épocas ganharam o status de uma revolução. Através deles e de suas músicas inaugurou-se o tempo em que o espírito jovem e sua inquietação, começaram a pairar sobre outras necessidades sociais – uma avalanche vaga como o conceito da juventude, que, no entanto, sobreviveu por mais de uma década e deixou marcas para sempre. É fácil perceber, contudo, que em termos mundiais, pouco se poderá esperar para o futuro de novos ídolos com a mesma força aglutinadora de seus anseios. Muito da melhor da arte estaria perdido sem juventude perdida, como o comprovaram, Rimbaud, Caravaggio, James Dean, Marlon Brando, os escritores beats e outros tantos, mas nada surge mais perdido nas gerações atuais que a incapacidade de descobrir os tesouros dessa perdição, pois “A juventude não passa de uma ilusão que os jovens perdem de propósito, em troca da ilusão futura de que a tiveram um dia.”


Um sintoma dessa decadência - da rebeldia jovem no sentido criativo - se verifica aqui mesmo, no Brasil, onde o predomínio da música de forró eletrônico e de pagodes cosméticos, muito mais que extratos de uma pobreza musical avassaladora , denotam uma juventude que não consegue mais extrair de sua rebeldia natural um dom, e que resume, na ostentação de uma mediocridade musical em altíssimos decibéis, uma apatia típica de desiludidos.


O que sucedeu, após o fim de Jackson, foi do mesmo teor para todos, como se viu à exaustão depois da morte deste: fãs lacrimejantes, declarações de amor, recorrência a frases feitas, na boca de gente que pouco têm a ver com o ambiente artístico, como presidentes e autoridades. Uma epidemia tão pouco convincente de compaixão, beirando a histeria, que nos leva à pergunta intuitiva “Precisava tudo isso?”, mas de onde não se consegue bloquear, contudo, um sentimento real e inexplicável de pesar, que nos invade como um surto de melodia plangente em nosso sangue, mesmo que não os aceitemos como ídolos.


É que, independente da geração a que pertencemos, não somos arrebatados pelos personagens, mas pelas suas músicas. Elas é que nos incorporaram e não o vice-versa. E, ao escutá-las mais uma vez, resgatando inopinadamente um pedaço de nossa memória que ainda queríamos vivo, somos possuídos pelo impulso de reverenciar com nossa tristeza e comoção, conscientemente ou não, aqueles que tornaram possível isso e que já não estão mais.

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