segunda-feira, 6 de julho de 2009

O CÉU É A CHAPINHA


José Ewerton Neto, membro da AML, autor de Ei, você conhece Alexander Guaracy?
ewerton.neto@hotmail.com



Alguns anos atrás muitas queriam ser louras. Podia não ser por causa dos homens, mas era, pelo menos, pelo efeito que se supõe que vá causar em alguém, quem sabe no cachorrinho da vizinha ou no gato de estimação. O cabelo tinha que ser louro, os dentes, o sorriso, a sobrancelha e até a mente.

Foi a época em que se deu o surto da loura burra, denunciada pela música. Quando perceberam que estavam indo longe demais e que seus neurônios, já poucos, estavam diminuindo mais ainda, as crioulas louras resolveram dar para trás (favor não confundir) e a onda refreou um pouco. Ser loura estava dando muito trabalho e, como estava difícil a uma sarará se destacar num mundo repleto de louras, viram que o lucro era pequeno, já que gastavam muita tinta, perdiam muitos namorados e ainda passavam por burras.

A solução para essa eterna ânsia de inconformismo, nunca refreado, com o que Deus deu a cada uma, surgiu recentemente com um dispositivo denominado chapinha. Sim, chapinha, um nomezinho até faceiro, tão vulgar e nada mágico, no diminutivo, como elas carinhosamente gostam, e com uma promessa irresistível: tornar seus cabelos muito lisos, mais lisos do que bunda de estátua, ou melhor, mais lisos do que a bolsa de muitas.

De que se trata mesmo? De uma nova geringonça tecnológica, que pode até se apresentar no formato ameno que elas desejam, mas que, no fundo, não passa de uma corruptela do ferro elétrico, pronta para executar, a ferro e fogo - e elétrons muito revoltados - a tarefa de distender todas as moléculas de seus cabelos espessos, até torna-los lisos. Uma expressão da força física da natureza, domada a serviço do improviso humano, ou melhor, das mulheres. Estatística recente mostrou que em cada 100 mulheres 90 já fizeram chapinha, 5 querem fazer , 4 morrem de vontade de fazer e uma já morreu fazendo. Alguma razão para tanta preferência? Conjeturemos ao redor de algumas:

1. Ânsia de mudança. Todo mundo quer mudar, é da natureza humana estar sempre inconformada com o que quer que seja e, sabendo-se que a única coisa que pode ser alterada no corpo são os cabelos, nada como uma chapinha. Quem tem cabelo pinchaim passa para duro, quem tem duro passa para esticado, quem tem esticado passa para massacrado, quem tem massacrado passa para liso, quem tem liso passa para flutuante e quem tem flutuante passa para aéreo. Aéreo, na realidade, não passa de um eufemismo, para não ficarem ofendidas com o vulgar careca.

2. Dá menos trabalho. Claro que deve haver um forte impulso sado- masoquista na atitude de alguém que cede os seus adorados cabelos para serem esmagados por uma resistência elétrica a mais de 100 graus. Porém, por mais doloroso que isso pareça, é sempre bom lembrar que qualquer outras alteração que se deseje no corpo demanda uma série de penalidades, muito mais torturantes e caras. As mulheres se conformam, fantasiando que comprimir o seu cabelo num chapa quente é uma sensação tão agradável quanto a que deve sentir um saco de estopa, quando engomado por um ferro elétrico, mas tudo bem. Algumas são capazes de jurar que dá até para sentir uma gostosa brisa refrescante.

3. Está na moda. Nenhuma mulher, de verdade, deixa de se incomodar com uma pergunta do tipo: “O que você está esperando para experimentar?” Que equivale a dizer: “Como você é fora de moda!” Por isso, a sensação de ir a uma festa sem chapinha é a mesma de estar usando um manjado marido, numa balada promovida por estudantes. Ou tomando chá verde quando as amigas já estão na décima dose de caipirinha. Sem contar que muito melhor que o resultado da chapinha é a expectativa. Ficarei com a cara da Vitória Beckam ou da Taís Araújo? Ou, sendo pessimista, da Suzana Vieira ou do Clodovil? Nesse ambiente, de profunda insegurança, basta observar o olhar de admiração do seu chefe para uma estagiária recém-contratada para concluir pesarosa: “Só foi contratada por causa da chapinha.”

Se, como dizia Oscar Wilde, não existe pecado maior que o tédio, a chapinha no cabelo é o movimento mais ao alcance delas, na vida atual, para não pecar. Contra o tédio da realidade, contra as injustiças do mundo e contra a própria incoerência de desejar ser preta na hora da cota do vestibular, mas preferir ter o cabelo liso, na hora de se exibir.

Mais importante do que a constituição, as discussões infindáveis sobre o aborto, o aquecimento global e sobre qual foi a causa da queda do avião da Air-France, ter uma chapinha à vista, para elas, é a solução universal para tudo e mais alguma coisa, porque uma mulher sem chapinha pode até ter o céu no firmamento, mas não na cabeça.


Um comentário:

  1. "Estatística recente mostrou que em cada 100 mulheres 90 já fizeram chapinha, 5 querem fazer , 4 morrem de vontade de fazer e uma já morreu fazendo" Uma das melhores frases que eu i este ano...Abraço, Ewerton!

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