sábado, 1 de maio de 2010

A LOKA DO RIOANIL E O TEMPO

Artigo publicado na seção Hoje é dia de

O Estado do Maranhão


A LOUCA DO RIOANIL E O TEMPO


José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com


“ As pessoas de hoje vivem mal. Quando têm de parar e olhar para si mesmas ficam assustadas...”
Lobo Antunes, escritor



Estava numa reunião marcada para as quatro e meia da tarde de alguns dias atrás, quando alguns confrades, atrasados, justificaram o atraso como tendo sido causado por um gigantesco engarrafamento no trajeto Turu-Centro, graças à inauguração de um shopping-center, perto do retorno da Cohab.
Já havia lido, nos jornais, sobre a inauguração do tal shopping. Era fácil prever o aumento do transtorno do tráfego, na região, durante sua inauguração, mas por que esse fato foi capaz de transformar num pandemônio a rotina da cidade? Por quê?
Minha surpresa tornou-se maior no dia seguinte, quando deparei com as manchetes dos jornais. As fotografias mostravam um resumo do que acontecera dentro e fora do shopping: multidão espremida, gente sentada no chão, lotando escadarias, crianças compactadas, brigas etc.: segundo a notícia do jornal, dezenas de milhares de pessoas lá estiveram. Continuei sem entender. Para quê?
A estranheza continuou à medida que mais notícias sobre o evento tomaram conta da cidade, culminando com a notícia de que uma jovem maranhense “bombou” na internet e outras mídias por conta de uma fotografia um tanto desvairada. Como é comum acontecer sob o impacto de tudo que soa bizarro e incompreensível as perguntas vieram: por que razão uma multidão de gente se dirige a um shopping-center num dia normal de trabalho, sabendo que o tal shopping não vai sair do lugar e ali permanecerá por anos e anos? Será que nossa população é tão canhestra que nunca tinha visto um shopping center? Como nenhuma dessas respostas satisfez surgiu a pergunta inevitável: será que essa gente não tinha o que fazer?
Estranhamente ( continuamos, pois, no mundo das estranhezas ) essa verdade contrasta com o que se vê, no dia a dia do próprio trânsito da cidade. O que se percebe é gente beirando a psicopatia por conta de propagar que têm muito o que fazer: motoqueiros quase a ponto de passarem por baixo dos carros; taxistas que mal o sinal abre já estão buzinando. Irracionais que, dirigindo carros imensos, investem pelas ruas estreitas de São Luis como se não as conhecessem e que, sem lugar para aboletar seus inadaptáveis veículos, põem-se a buzinar desesperadamente, como se pudessem, com isso, empurrar para longe as laterais das calçadas. Qual seria o motivo de tanta pressa?O congestionamento de um shopping num dia de quinta feira fornece a resposta: essa gente têm pressa, muita pressa, para se diluírem em multidão, para fazerem de conta que estão se divertindo, esperando o tempo passar e se deliciando com a contemplação de gente montada sobre gente, como aconteceu no evento em questão.
Para Montagne toda infelicidade do homem provêm de sua incapacidade de ficar sozinho em seu próprio quarto. Disse isso há alguns séculos quando a população era muito menor e as individualidades não haviam sido massacradas pela comunicação televisiva que invade os lares, manipula as aspirações e faz do indivíduo um número perdido na multidão. A ausência do nome, a busca da identidade, a falta de substância da própria existência - da qual não se ousa indagar pelo sentido -, gera uma carência de representatividade, que se alivia e se escora no outro. A obrigação de anunciar o tempo curto surge como a única chance de valorizar a própria vida, eternamente escravizada ao alheio; e o apelo à multidão confunde-se com a esperança, vã, de camuflar a falta de significado individual.
Daí que a os quinze segundos de fama adquiridos por uma ingênua moça, transformada em louca nas páginas da internet, rotula mais que um devaneio sem sentido a loucura coletiva de toda uma população, que satisfaz-se cada vez mais em esmiuçar o tempo alheio pela incapacidade de tecer o seu . Que melhor explicação existe para que uma garota se diga feliz da vida ao ser taxada de louca - para deleite de chacoalhadores e piadistas - a não ser que, para ela, ser vista como uma insana é preferível ao anonimato?
Sempre preferi os centros das cidades (tão maltratados e abandonados pelos governantes) aos shoppings-centers. Aí não vai nenhum propósito de idealismo poético-cultural, mas apenas um sentimento de repulsa à idéia de confinamento, revestida de um aparato cosmético e artificial que faz com que as pessoas que circulam pelos shoppings pareçam personagens ávidos por qualquer escapismo, capaz de faze-los esquecer do tempo impregnado de si, que os incomoda. .
Sei não, mas tenho a impressão de que algo de muito valioso se perdeu quando a população de uma cidade (onde quarenta anos atrás 24 cidadãos significavam uma academia de letras - para a imprensa do Sul ) ao invés de se juntar para aplaudir suas manifestações culturais: cantores, dançarinos, comediantes e escritores , se juntam em multidão enlouquecida para aplaudir a banal inauguração de um shopping- center

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