quarta-feira, 28 de julho de 2010

AO QUE TEM MAIS SERÁ DADO

Texto publicado na seção Hoje é dia de...

O Estado do Maranhão, sábado passado


AO QUE TEM MAIS SERÁ DADO


José Ewerton Neto
ewerton.neto@hotmail.com




E começou a derrama do dinheiro federal (700 milhões de reais de todos nós brasileiros) para melhorar as condições estruturais das cidades-sede escolhidas para a Copa. Muito além de por mera coincidência as cidades a serem abastecidas com os recursos-copa serão justamente as capitais dos estados mais ricos da federação ( à exceção de Manaus e Natal), justamente aquelas cuja pujança econômica de seus estados , de uma forma ou de outra, serviu de suporte para que fossem escolhidas. Parodiando a frase bíblica, a distribuição de recursos federais será feita, mais uma vez – agora com a desculpa de ter sido à reboque da Copa – na base do “ Ao que tem mais será dado.” Isso está certo?
Vá lá, porque como disse o nosso presidente, não se concebe, por exemplo, uma Copa no Brasil sem São Paulo, uma capital onde estão quatro dos maiores clubes de futebol do Brasil. Porém, sendo tal cidade a capital do estado mais rico da federação não era de se esperar que tivesse condição de financiar com os próprios recursos, privados ou governamentais, os investimentos necessários para sediar seus jogos da copa? Ou será que sua milionária classe empresarial enxerga apenas como futuros elefantes-brancos os estádios e a as obras resultantes da grana que será doada à cidade, por obra e graça de um evento que durará trinta dias, apenas?
Se eles pensam assim, que deveria pensar o resto do país não contemplado para a Copa, que não se manifesta, através de seus representantes, para contestar o uso perdulário do recurso público, que é de todos? Passado o patriotismo desvairado, tão peculiar a todos os brasileiros em época de copa, que sobrará desses recursos para a população dos estados não escolhidos ? Será que suas casas resistirão às enchentes causadas por açudes rebentados, com as defesas do goleiro Júlio Cesar? Ou será que a taça levantada pelo futuro capitão ( se isso acontecer) terá o dom de consertar ruas e estradas esburacadas e melhorar a saúde de sua sofrida população?
Ora, mas que assunto antipático o cronista foi buscar, não é mesmo? Puxa vida, que audácia! Contestar a fortuna gasta para celebrar a glorificação de uma paixão tão grande, que é o futebol, e implicar com o apoio governamental para que nosso país seja visto por turistas, no mundo todo, chega a ser digno de execração! Se o Brasil ganhar a Copa que importa se as crianças e os idosos desses estados pobres vão continuar à míngua, carentes de educação básica e saúde? O que esse cara tem contra o futebol?
Esta semana, deparei nos jornais com duas notícias, nem tanto surpreendentes, e mais tarde atentei para a aparente contradição que elas encerram. Na primeira delas, a informação de que o Brasil está entre os piores lugares do mundo para morrer: numa lista de 40 países o Brasil só foi melhor que Índia e Uganda. Os indicadores desse índice vão desde expectativa de vida e porcentagem do PIB destinada à saúde, até fatores como facilidade em obter analgésicos e treinamentos dos estudantes de medicina em cuidados paliativos (aqueles tomados para amenizar a dor quando já não é mais possível curar ou estender a vida do paciente). Como diz a oncologista Dalva Matsumoto, uma das diretoras da Academia Nacional de Cuidados Paliativos “Há muitos doentes em situação quase de morte internados em UTIs, entubados e sem assistência”. Isso deveria nos entristecer?
Parece que não. Dois dias depois, outra pesquisa exibida no mesmo jornal mostrou que o brasileiro se considera muito feliz, tanto é assim que obteve o 10º lugar em felicidade numa pesquisa que considerou o mundo todo. Tanta alegria nos leva a uma triste ( ou feliz, se adaptada ao caráter do brasileiro ) conclusão. Para o brasileiro pouco importam a dor e a morte alheia, desde que receba doses cavalares de carnaval, forró e futebol. Sendo assim, só nos resta concluir que está mais do que certo o presidente da república e seus ministros ao promoverem a felicidade “futebolesca”, pouco importando-se com a morte de crianças e idosos, nos rincões que jamais serão vistos por turistas.
Enfim, assim como já existiu político que justificou suas falcatruas com argumento bíblico do “É dando que se recebe” nada mais justo que o presidente Lula, para justificar tanto recurso preferencial e na avidez de se tornar simpático e tornar o povo mais feliz, saque também da Bíblia a arrepiante frase de Jesus Cristo: “ Ao que tem mais será dado e ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”.
P.S Apenas para esclarecimento dos leitor e para responder à pergunta acima o autor desse texto gostaria de lembrar que além de apreciar, gosta bastante de futebol, como a maioria dos brasileiros, aliás.

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