sexta-feira, 12 de novembro de 2010

3 ou 4 hipocrisisas básicas

Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
sábado passado


3 OU 4 HIPOCRISIAS BÁSICAS


Jose Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com



1. Para Millor Fernandes uma das coisas que distingue o ser humano dos outros animais é o fato de ser o único animal que tem raiva do próprio cheiro. Mas há algo que o distingue ainda mais: a monumental hipocrisia. A própria aventura humana, ao fim, não passa de um contínuo exercício de hipocrisia que culmina em só se celebrar dignamente as qualidades de uma pessoa depois que ela morre, quando já não tem como usufruir disso.
Mas, já nem estou falando da hipocrisia por “dever de ofício” - aquela que se convencionou aceitar porque não há outra saída, como a descaracterização da personalidade dos indivíduos quando à caça de votos. Quem viu o grotesco da foto de José Serra e Geraldo Alckmin nos principais jornais do país arremedando uma dança funk para tornarem-se simpáticos ao povo que os assistia sabe do que estou falando. Menos aviltante, porém, talvez seja tratar das hipocrisias que se institucionalizaram, viraram leis e se associaram ao cotidiano humano como se fossem coisas imprescindíveis e até mesmo louváveis.

2. Jamais entendi a razão da “lei seca” em dia de eleição. O motivo aparente, segundo consta, seria o de evitar que algumas doses a mais de álcool façam extrapolar impulsos causados por uma acirrada disputa eleitoral. Dá para acreditar nisso? Que um cidadão, à custa de duas doses de cachaça vá se transformar num terrorista, motivado pela paixão por um político, ou sua pseudo-ideologia? No fundo, o que a lei não consegue disfarçar é que tenta, á custa do direito elementar de um cidadão fazer o que quer em seu dia de folga, revestir de pureza e dignificar um ato (de votar) que há muito tempo deixou de ser patriótico para os brasileiros.
Igualmente, o que vem a significar “luto oficial”? Claro, todos sabem que deve tratar-se de uma homenagem, prestada pela nação através de seu presidente a alguém que teria honrado a pátria. Mas é isso mesmo o que, de fato, acontece? Existe critério para tanto, ou basta, para merecer tal honra, o fato de ter sido famoso?
Como nosso presidente já disse que o Brasil seria muito melhor se todo brasileiro tivesse nascido um Faustão, é de se esperar que quando o apresentador morra, a bandeira do Brasil seja hasteada para homenageá-lo em luto oficial. Mas, de quantos dias mesmo? Uma semana, trinta ou sessenta dias? Eis aí outra dúvida que só escancara o tom de farsa. Por que uns têm direito a um dia e outros a uma semana? Ainda bem que minha alma nunca vai ser homenageada com o luto oficial da nação, senão ela gostaria de saber por que só teria direito a alguns segundos enquanto outras terão direito a uma semana ou um mês.


3. Em termos de futebol, rapidamente chegamos ao “minuto de silêncio”, homenagem que se supõe ser prestada a alguém. Alguém? Possivelmente, um ser humano e não a bandeirinha de córner ou o placar eletrônico. Lá estão 22 jogadores que nada sabem do “homenageado”, uma multidão de torcedores que sabe menos ainda e, finalmente, um locutor de futebol, que, transmitindo a cerimônia, mal consegue esconder sua indiferença em relação ao que se passa. O que, aliás, é bastante compreensível pela completa inutilidade. De que vale um minuto de silêncio para quem tem a eternidade pela frente?
Como se já não bastasse essa, inventaram mais uma: a execução do hino nacional em tudo que é jogo de futebol. Qual teria sido a intenção do autor da lei: desprestigiar o hino nacional, vulgarizando-o, ou dignificar a corriqueira cena de uma insossa partida de futebol? Não precisa ser especialista nos meandros da alma humana para deduzir que a motivação foi a de sempre: granjear reconhecimento usando a veste fácil do patriotismo. Tudo muito coerente com a frase de Ambrose Bierce: “O patriotismo é o primeiro refúgio dos canalhas.”

4. A homenagem ao túmulo do soldado desconhecido, também, nunca deixou de ser uma cerimônia exaltada e pomposa onde se desperdiçam flores, dinheiro, smokings e, principalmente... Intenção. Ora, para que serve homenagear um indivíduo a quem, de saída, sequer se reconhece? Por que ao invés dos milhares de dólares gastos na “suposta” homenagem não se gasta equivalente grana para garantir a sobrevivência de seus parentes? A seqüência da empulhação é de tremer de revolta a alma de um pobre soldado: ordena-se que ele vá para a guerra, assassina-se o coitado, dá-se a ele o tratamento de fantasma coletivo (destratando a única coisa que porventura tinha, que era seu nome) e, depois, tem-se o desplante de homenageá-lo. É de dar vontade de voltar na forma de um Frankestein para estrangular o pescoço de quem inventou tal história!

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