domingo, 21 de novembro de 2010

PREFERINDO FUMAÇA A LIVRO

artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Alternativo, jornal O estado do Maranhão, sábado


PREFERINDO FUMAÇA A LIVRO

José Ewerton Neto, membro da AML

ewerton.neto@hotmail.com

1. Segunda, dia 15, tarde de sol, feriado em todo o Brasil. Quarto dia da Feira do Livro. Lá, bons livros à disposição, alguns muito baratos se você tiver paciência para pesquisar: cheguei a comprar um livro de John Gray, “Falso amanhecer – os equívocos do capitalismo global”, novo, por dez reais. Telefono para Sonia Almeida, professora e poeta, para tratarmos do nosso café literário de terça. Entre outras coisas ela diz estar esperando por um parente, preso num engarrafamento na litorânea. De carona na sua incredulidade penso: “ Parada gay, não pode ser , Marafolia também não , carnaval ainda está muito cedo.” Então insinuo: “ Já sei, esse povo está fugindo da feira. Deve ter medo de livro!”

Dito e feito. Ou quase. Eis que no dia seguinte soube que nessa tarde, a Esquadrilha da Fumaça se exibia na Litorânea. Para lá se dirigiram pais, mães, filhos, agregados, cachorros e papagaios em seus carros, a ponto de congestionarem todas as vias de acesso à praias. Talvez estivessem cobertos de razão: nunca gostaram de ler, é difícil, para eles, conceber que a leitura de um livro possa trazer, um dia, um prazer mil vezes maior que isso, a um filho. A saírem atrás de livros, para eles, é preferível ficar preso num engarrafamento, olhando para o céu e vibrando com acrobacia e fumaça.

2. Penso que o sucesso de uma feira não deve ser medido pelo volume de pessoas circulando, mas pelas vendas dos livros e pelo público interessado nas palestras literárias e nos cafés de troca de idéias sobre a literatura. Quanto a isso ela não diferiu das vezes anteriores onde, mais uma vez, faltou divulgação adequada e a busca da cooperação das unidades estudantis de diferentes graus, para maior interesse desse público. De qualquer forma, a própria realização da feira, mesmo combalida, e com os percalços estruturais que se repetem será sempre um louvável ato de resistência numa Atenas Brasileira cuja população não se reconhece na demonstração de amor á leitura.

Apesar da opinião de alguns intelectuais amigos, favoráveis a que a realização da Feira se faça a cada dois anos como forma de se concentrar recurso e talento, prefiro vê-la todos os anos, como marca inconteste de que se está tentando fazer algo pela divulgação da leitura, incorporada definitivamente à rotina da cidade, tal uma estação do ano ansiosamente esperada,

3. Pensei que era o único a ter ficado impressionado favoravelmente com a originalidade da exibição dos painéis no alto da Praça Gonçalves Dias e arredores, cujas gravuras, em formado de uma imensa biblioteca, saudava, aqui e ali, os homenageados da feira como se estes estivessem saindo dos livros, dando a impressão de uma biblioteca suspensa, com a Praça Gonçalves Dias, no alto, ao fundo. As vozes abalizadas dos artistas escritores Alex Brasil e Wilson Marques, respectivamente também, publicitário e fotógrafo, confirmaram o quão talentosa foi a “sacada”.

4. Em uma das sempre debatidas sessões do “Café Literário” estive na platéia da oportuna palestra do professor Sofiani Labidi sobre e-book. Depois dela, a substituição do livro impresso pelo digital nunca me pareceu tão irremediável. O palestrante, por sinal, defendeu a imediata substituição do livro didático impresso por questões de custo e praticidade, no que parece ter razão.

Comentando, depois, sobre a conseqüência de tudo isso com amigos escritores alguém lembrou: “ E a noite de autógrafos, como será?” “Desta vez é definitivo, a noite de autógrafos acabará bem antes de se acabarem os escritores”.

Demos tratos à bola para imaginar como a cerimônia poderia ser adaptada. Em uma das possibilidades o sujeito anuncia pelo e-mail, do celular, que haverá uma noite de autógrafos e comunica o valor a ser depositado em sua conta.

- E o local dessa “noite de autógrafos virtual” onde seria? – perguntou alguém.

- Ora, onde você quiser, na praia, e até de dia, por exemplo, pois agora tanto faz.

Para os habitantes de São Luis, ou melhor, da Atenas Brasileira, quem sabe na praia, assistindo a mais uma exibição da esquadrilha da fumaça.

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