domingo, 14 de novembro de 2010

ALÉM DE PALAVRAS E NÚMEROS

Texto publicado na seção Hoje é dia de...

O Estado do Maranhão

ALÉM DE PALAVRAS E NÚMEROS

José Ewerton Neto

ewerton.neto@hotmail.com




1. Recente reportagem da revista Galileu mostra que é mais fácil convencer alguém quando se recorre a números. Um aforismo antigo dizia que todo ser humano é indefeso diante de um elogio. Agora, sabe-se que isso se dá, também, diante dos números.
O autor do livro Proofiness, um matemático e jornalista norte-americano mostra nas suas páginas que políticos, publicitários e vendedores usam e abusam da arte de provar ao interlocutor algo que este sabe que é verdadeiro , mesmo quando não é. Por que se desconfia tanto das palavras e menos dos números?
Evito acreditar que isso se dê apenas por conta de uma suposta exatidão de ciências como matemática e física, aos quais os números são frequentemente associados. Isso degenera, a meu ver, uma falha de interpretação imperdoável. Lembro, neste instante, de uma das fórmulas consideradas mais belas pelos cientistas, a equação geral de Einstein para a Relatividade Geral, cuja interpretação, para o leigo, fornecida pelos estudiosos é “ A matéria ensina o espaço-tempo como se curvar e o espaço-tempo ensina a matéria como se mover.” Quer mais poesia que essa, por trás de uma igualdade numérica?

2. Proponho outra explicação: as pessoas desconfiam tanto das palavras porque as falam demais. Seu uso é, quase sempre, desenfreado e desnecessário. Lembro de que, nos primórdios, para sobreviver, os seres humanos tinham de ser econômicos nos ruídos (palavras) que emitiam porque se fizessem barulho se tornariam presas fáceis para os predadores.
De palavra em palavra, estas foram perdendo a credibilidade. Se isso já acontecia há séculos, imagine agora quando a população aumentou quatro a cinco vezes mais. É palavra para tudo quanto é lado e ainda sobra para um milhão de chineses falarem. Ora, se um único ser humano fala milhões de palavras a esmo, imagine um bilhão.
O que nos faz pensar que não vai estar longe o dia em que o curso mais disputado na Terra vai ser o curso de economia de palavras (concisão). O twitter, talvez não passe da primeira manifestação dessa necessidade, embora tenha se revelado frustrante: ao se tentar diminuir o número de palavras na comunicação, aumentou-se a quantidade de besteiras.


3. Na verdade, pouquíssimas palavras resistiram ao tempo, com a sua simbologia não corrompida pelo tempo. Um exemplo é a palavra mãe, embora muita gente insista em lhe adicionar significados que não tem e dos quais não precisa. Mãe é mãe e pronto. Ao redor de sua sina - de doação ao filho - muitas outras palavras foram criadas ao longo do tempo e hoje fazem festa que na boca dos apresentadores de televisão e nos livros de auto-ajuda, sem que seus autores saibam ao certo o que significam. Chega a causar asco a forma como apresentadores e celebridades globais como Suzana Vieira e Luciana Gimenez extravasam, por exemplo, suas supostas “felicidades” como se estivessem exibindo um adorno, capaz de ser medido com uma escala.
Dei-me ao trabalho de enumerar dez dessas palavras e, aleatoriamente atribuí um numero de 1 a 10 a cada uma delas. 1, amor; 2, felicidade; 3, paixão; 4, vida; 5, eternidade; 6, humanidade; 7, ilusão; 8, infinito; 9, nada; 10, tudo. Atrevi-me, depois a calcular o resultado de suas combinações como se, de fato, estivessem sujeitas a uma operação matemática. Surpreso, verifiquei que o resultado, a maioria das vezes, é razoavelmente convincente. Alguns exemplos rápidos: Paixão(3) + vida(4) = ilusão; amor(1) + felicidade(2) = paixão; felicidade(2) + paixão(3) = eternidade; infinito(8) – ilusão(7) = amor; tudo(10) – nada(9) = amor; vida(4) + humanidade(6) = tudo, etc. etc. etc. É fácil perceber que as soluções são conceitualmente apreensíveis pela mera razão de que por serem palavras de conceito abstrato e indefinido poderão sugerir a verdade que se quiser, à mercê do impostor que delas se aproprie.

4. Portanto, se as palavras são falsas, os números também ( como o exercício também prova) o que deixa a impressão de que em breve os números também perderão a credibilidade, e que talvez precisemos inventar novos símbolos para suportar o que restar ainda de verdadeiro nas relações entre os homens . Mas, o que é a verdade? Quando Poncio Pilatos perguntou a Jesus Cristo ele se calou, possivelmente querendo induzir-nos a que descobríssemos isso por conta própria.
“A vida é absurda”, dizia Clarice Lispector e se a vida é absurda assim também são os símbolos criados para sua representação, sejam palavras ou números. São tão absurdos (ou mentirosos, como queiram) que a grande arte dos mesmos talvez seja a de nos fazer acreditar que palavras sejam apenas palavras e números apenas números.


2 comentários:

  1. Olá, José Ewerton.
    Nós somos do maranharte, um blog que divulga a literatura maranhense (maranharte.blogspot.com) e gostaríamos muito de sua participação em um especial que iremos publicar. Caso o senhor tenha visitado a 4ª feira do Livro de São Luís, gostaríamos de um texto seu sobre suas impressões do evento. Iremos ter depoimentos de professores, escritores e estudantes universitários, e como constantemente visitamos o seu blog, ficaríamosgratos com a sua participação. Não precisa ser um texto longo. Sabemos que o senhor é um escritor ocupado, e se pretendes escrever um texto sobre a feira na sua coluna, podemos copiar um trecho.
    Nosso e-mail é : maranharte@gmail.com.
    Qualquer dúvida entre em contato conosco.
    Abraços.

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  2. A CRONICA QUE ESCREVI PARA O HOJE É DIA DE...DO CADERNO ALTERNATIVO SE REFERE À FEIRA DO LIVRO E ESTOU REPRODUZINDO-A, HOJE NESTE BLOG. ESTEJAM À VONTADE PARA REPUBLICÁ-LA E PARABÉNS PELO BLOG.

    ABRAÇOS

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