Se
São Luiz fosse uma mulher
ainda assim
seria uma ilha. Vá lá, o poeta
disse que nenhum ser humano é uma ilha, mas São Luis teria de ilha o que
somente certas mulheres têm: o comportamento reservado e especial, a pose
paradisíaca, a aura oceânica cercando-a por todos os lados como se dela pudesse jorrar, de repente...uma
fantasia amorosa. Já repararam na reverência que salta aos olhos de quem
observa uma mulher-ilha se aproximar?
Sendo ilha (o que nem de
longe significaria que fosse orgulhosa ou inacessível) teria forçosamente
também os braços longos, que avançam em direção ao resto do mundo. Pois é, suas
pontes seriam seus braços e que braços! Acordam abraçando o alvorecer como a
uma criança, seguindo depois para o quotidiano
e o que vier.
Sua cabeça - e com
certeza São Luis não seria uma dessas mulheres espevitadas e sem cabeça – teria
tudo para ser a mesma do poeta Gonçalves Dias, pequenina lá do alto em sua
praça, contemplando o mar e a poesia.
Seu coração, quer
queiram quer não, teria de estar no centro. Como todo mundo sabe, existe uma
turma de administradores arvorados a seus
donos, que tudo fazem para remover seu coração dali. Ora, mais que insensíveis são,
sem dúvida, péssimos cirurgiões, pois o coração de uma cidade, como o de uma mulher-ilha,
é ‘intransplantável’. Alguns anos atrás, a cidade foi atendida em uma cirurgia
que lhe reabilitou o coração, numa operação muito propriamente chamada Reviver.
Ultimamente, alguns de seus administradores tem tido a iniciativa de
revitalizar certas ‘artérias’ que inflamam seu coração. Demoraram a aprender
que não há porque maltratar o coração de uma mulher que precisa, ao contrário,
ser tratado com muito carinho. Pode-se dizer que esse coração, apesar de tantos
maus-tratos acumulados ao longo de sua vida, resistiu à passagem dos
séculos e resistirá à dos milênios.
Seus olhos, claro, não se parecem nem um pouco com os semáforos e as
barreiras eletrônicas que ficam espiando qualquer distração do cidadão, para
calcar-lhes uma multa. (Isso se chama extorsão). Muito ao contrário, seus olhos
são vigias noturnos de sua tranqüilidade: movem-se como os vaga-lumes, e dia
claro, já estão nos raios de sol que descendo do céu clareiam a vida da cidade e sua paisagem.
Seus ouvidos continuam imunes a todas as perturbações que a velhice, se
é que podemos falar assim, lhe impõe. Aprenderam a ouvir de tudo: forró,
reggae, trovões nas tempestades, foguetes no Reveillon etc., mas nada lhe causa
mais incômodo do que propaganda de político. É impressionante como estes, que
dela se propõem a cuidar, sejam os
primeiros a não terem dó dos seus ouvidos. Imperturbável, ela sequer se protege com fone
de ouvido, espera pacientemente pelo som da maresia batendo nos arrecifes
quando chega a madrugada e pronto, está disposta para um novo dia. Além de bela:
heróica e elegante.
Quanto a seus pés, prefere andar
descalça. Isso para não tropeçar nos buracos que seus administradores lhe
impõem. Um buraco ali, outro ali, ela se fere acolá, mas jamais perde a
elegância. Para isso tem as pernas
grossas de tanto subir as ladeiras que a
levam do centro à Praia Grande, seu roteiro preferido.
Por fim, sua boca. Ah, sua boca, que
não se parece nem um pouco com a de Angelina Jolie, ou de Carolina Dickman, e
nem precisa! Parece-se isto sim com a da mulata faceira e sensual do grande escritor
maranhense, e que se alimenta, além de beijos, de um bom arroz de cuxá e peixe frito, no intervalo de
um caranguejo e outro. Só não me pergunte onde, para não despertar ciúmes de
donos de restaurantes. Aliás, essa mulher não é chegada a restaurantes pseudo-chiques
do Calhau e adjacências. Já foi encontrada para os lados do Quebra-Pote, na
Raposa, no Araçagi ou em qualquer lugar onde a poesia se misture com a comida.
Já não se disse que o vinho é o prato intelectual da comida? Pois é, São Luis é
o prato intelectual de qualquer restaurante da ilha, e, como o vinho, quanto
mais velha melhor e mais saborosa para todo aquele que tenha o mínimo de
refinamento cultural.
Alguém a encontrou por aí? Por favor,
dêem-lhe os parabéns por mim, e não se esqueçam de dizer-lhe que, mesmo
quatrocentona, continua cada vez mais jovem e mais bela!
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