artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje sábado
Difícil precisar quando o nada começou, se é que começou. Se um dia existiu
deve ter chegado milionésimos de segundos antes do tudo. (Ou, talvez, uma
eternidade, que então deveria significar quase a mesma coisa). Ou seja, nessa
disputa para chegar primeiro se o nada se deu bem foi apenas para chegar antes
e mais nada ( Êpa!)
Muita gente, por sua vez, acha
que ele, o nada, nunca existiu nem nunca existirá , o que não deixa de ser uma teoria bastante satisfatória para
que nós, humanos, não nos sintamos assim, tão desamparados com a realidade da morte – e
do nada. Ou seja, se não existe o nada não seremos nós que vamos inaugurar isso
daí. Portanto... estamos salvos.
Uma coisa é certa: se o nada um
dia existiu, com certeza estava
quietinho no seu canto e foi a consciência humana - sempre procurando sarnas
para se coçar – que foi descobri-lo em algum lugar.
2. Inventado – ou descoberto – o
nada eis que a humanidade, sempre a procura de conhecer um pouco além do que
jamais vai estar ao seu alcance ( as ‘sarnas para se coçar’ ditas acima ) , descobriu também o Zero. Não, nada de um ato de filantropia ou mesmo de sabedoria, mas
apenas para facilitar-lhes as coisas
dentro dos cálculos que precisavam fazer para saber o quanto poderiam levar de vantagem
nas suas negociações. Já pensaram a merda que ia dar se não houvesse o zero
entre o -1 e o +1? E que seria do trilhão sem aquele monte de zeros? Mesmo
assim demoraram tanto a descobrir o pobre do zero (foi o último algarismo a ser inventado) que este chegou a pensar, confortavelmente,
que nunca ia ter de dar as caras na matemática, e se escondeu durante milhões
de anos o quanto pode.
Pois previa a sobrecarga que ia ter de suportar para
agüentar, além dos outros algarismos, irritantes em sua suposta grandiosidade , os inquietos e diabólicos alunos e os futuros
cientistas. Ele ‘calculava’ o que viria
pela frente e o tanto que ia sofrer de bullyng nas calculadoras, nas fórmulas
matemáticas, nos livros de filosofia etc. Nada lhe foi mais humilhante ao longo
da vida do que ser taxado de ‘ um pobre zero à esquerda’, sem nunca lhe terem
dado o devido valor.
De todos os inconvenientes que passou na infância, porém, nenhum lhe
permaneceu tão irritante até hoje quanto à tal proximidade com o nada, o
constatar desde cedo que, para todo mundo, ele não passa de um apelido para o
que não existe. Enquanto ao infinito
coube ser o apelido do tudo, a ele,
pobre zero, coube ser o apelido
do nada. Mesmo sabedor de que não passa de um símbolo essa consciência não lhe minora a frustração, pois
seu destino ceifou-lhe a exuberância do
outro: sempre mais disputado, sempre mais recorrente nas imagens religiosas, sempre
mais solicitado nos títulos de livros de
auto-ajuda, mesmo não passando ( como o zero sabe melhor do que ninguém) de um
grande impostor.
3. Apesar de tudo, conforta-lhe saber que o dilema shakesperiano do ‘ser ou não ser’ não lhe transtorna a vida
e as preocupações do dia-a-dia, como acontece com os humanos. Às vezes, chega até a ter simpatia com o nada, com o que talvez não
exista. Sabe que estão no mesmo barco ( das soluções inventadas pelos homens
para amenizar suas condições de proscritos de seus próprios destinos ) e procura
exercer sua função cada vez melhor fazendo
ouvidos moucos ao que possam dizer dele, a matemática e os homens. No fundo, deve
concordar com o que foi escrito a seu respeito num livro maranhense de poesias Cidade Aritmética, e que se intitula,
justamente, Zero.
“Um domingo após o fim do mundo,
o zero que ainda está vivo
não é o zero do nada.
Não é o zero número,
o que só tinha serventia
para o oco da lógica
ou como farol de cálculos.
É um zero que não se presta
para disfarces do agora.
É o zero de antes e depois.
O zero que é o tudo, enfim.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário