sábado, 24 de agosto de 2013

O ZERO E O NADA



artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje sábado


Difícil precisar quando o nada  começou, se é que começou. Se um dia existiu deve ter chegado milionésimos de segundos antes do tudo. (Ou, talvez, uma eternidade, que então deveria significar quase a mesma coisa). Ou seja, nessa disputa para chegar primeiro se o nada se deu bem foi apenas para chegar antes e mais nada ( Êpa!)
Muita gente, por sua vez,   acha que ele, o nada, nunca existiu nem nunca existirá ,  o que não deixa  de ser uma teoria bastante satisfatória para que nós, humanos, não nos sintamos assim,  tão desamparados com a realidade da morte – e do nada. Ou seja, se não existe o nada não seremos nós que vamos inaugurar isso daí. Portanto... estamos salvos.
Uma coisa é certa: se o nada um dia existiu,  com certeza estava quietinho no seu canto e foi a consciência humana - sempre procurando sarnas para se coçar – que foi descobri-lo em algum lugar.

                                            

2. Inventado – ou descoberto – o nada eis que a humanidade, sempre a procura de conhecer um pouco além do que jamais vai estar ao seu alcance ( as ‘sarnas para se coçar’ ditas acima ) , descobriu também o Zero. Não, nada de um ato de filantropia ou mesmo de sabedoria, mas apenas para facilitar-lhes  as coisas dentro dos cálculos que precisavam fazer para saber o quanto poderiam levar de vantagem nas suas negociações. Já pensaram a merda que ia dar se não houvesse o zero entre o -1 e o +1? E que seria do trilhão sem aquele monte de zeros? Mesmo assim demoraram tanto a descobrir o pobre do zero (foi o último algarismo  a ser inventado) que este chegou a pensar, confortavelmente, que nunca ia ter de dar as caras na matemática, e se escondeu durante milhões de anos o quanto pode.
Pois  previa a sobrecarga que ia ter de suportar para agüentar, além  dos outros algarismos,  irritantes em sua suposta grandiosidade  , os inquietos e diabólicos alunos e os futuros cientistas.  Ele ‘calculava’ o que viria pela frente e o tanto que ia sofrer de bullyng nas calculadoras, nas fórmulas matemáticas, nos livros de filosofia etc. Nada lhe foi mais humilhante ao longo da vida do que ser taxado de ‘ um pobre zero à esquerda’, sem nunca lhe terem dado o devido valor.

                                          


De todos os inconvenientes  que passou na infância, porém, nenhum lhe permaneceu tão irritante até hoje quanto à tal proximidade com o nada, o constatar desde cedo que, para todo mundo, ele não passa de um apelido para o que não existe.  Enquanto ao infinito coube ser o apelido do tudo, a ele,  pobre zero,  coube ser o apelido do nada. Mesmo sabedor de que não passa de um símbolo essa  consciência não lhe minora a frustração, pois seu destino ceifou-lhe  a exuberância do outro: sempre mais disputado, sempre mais recorrente nas imagens religiosas, sempre mais solicitado nos títulos de livros  de auto-ajuda, mesmo não passando ( como o zero sabe melhor do que ninguém) de um grande impostor.

3. Apesar de tudo,  conforta-lhe saber que  o dilema shakesperiano  do ‘ser ou não ser’ não lhe transtorna a vida e as preocupações do dia-a-dia, como acontece com os humanos. Às vezes,  chega até a  ter simpatia com o nada, com o que talvez não exista. Sabe que estão no mesmo barco ( das soluções inventadas pelos homens para amenizar suas condições de proscritos de seus próprios destinos ) e procura exercer sua função  cada vez melhor fazendo ouvidos moucos ao que possam dizer dele, a matemática e os homens. No fundo, deve concordar com o que foi escrito a seu respeito num livro maranhense de poesias Cidade Aritmética, e que se intitula, justamente, Zero.

                                         
     

Um domingo após o fim do mundo,
o zero que ainda está vivo
não é o zero do nada.
Não é o zero número,
o que só tinha serventia
para o oco da lógica
ou como farol de cálculos.
É um zero que não se presta
para disfarces do agora.
É o zero de antes e depois.
O zero que é o tudo, enfim.”
                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com

                                                                              http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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