artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Eis que se
aproximam as festas de fim de ano, os comes e bebes e, com eles, o reinado do
garfo e faca. Reinado? Eu disse reinado, mas desses reinados ocultos à sombra de outro: no caso, da comida e da fartura, já que
todos estarão mais preocupados em enfiar
comida goela abaixo, pouco se lixando para o que lhes terá tornado tudo isso
possível. Alguém já imaginou o que seria
de uma ceia de natal sem garfo e faca? E já se perguntou como tudo começou?
1.O garfo só
chegou ao Ocidente pelos idos de 1004,
no casamento que uniu o Império Bizantino com a República de Veneza. Na
ocasião, a futura rainha levou uma caixa com os talheres. A estranheza deve ter
sido tanta que muita gente pensou que o garfo era para enfiar no príncipe caso
ele não cumprisse seu papel de esposo. (Lembremos de que nessa época tão
distante nem tevê havia, com suas exibições de sexo explícito ao vivo, para estimular
a fantasia sexual das mulheres).
Explicações iniciais
à parte, mesmo assim os religiosos vieram a considerar esse negócio de talheres
uma heresia e o utensílio foi banido por séculos. Como se sabe, se nessa época ainda não havia
lei seca, o que não faltava era lei do
cão: usar garfo, só era permitido ao demônio.
2.Por volta
de 1500, a faca de caça e defesa pessoal ganha espaço à mesa das classes mais
nobres. Elas eram de prata e tinham a lâmina afiada e pontuda. Além de cortarem
serviam para espetar a comida e levá-las a boca, o que significa dizer que possivelmente,
nessa época, morria mais gente por falta
de dentes do que de peste , pois como será que faziam para engolir os pedaços
mais duros? Vai ver que quem tinha
dentes mastigava para o outro engolir, o que não deixava de ser outra espécie
de morte.
3.No
casamento real entre Catarina de Médicis, da Itália, e Henrique II da França,
eis que o garfo faz nova tentativa de aparecer e se implantar pros lados de
1533. Era de ouro e prata, tinha apenas dois dentes e, como é fácil deduzir,
tinha especial predileção por ambientes nobres, já que só aparecia em casamento
de rico. Embora já tivesse essa queda
por casamentos, nessa época ainda não
pensava em se casar, por sua vez, com a
faca.
4.Isso só
aconteceu em 1633, quando o rei britânico Charles I decretou: “ È decente sim, usar
o garfo”, assim permitindo o casamento em
definitivo dos dois. Daí em diante seu uso se popularizou e o garfo passou a
fazer par para o resto da vida com a
faca. Chegavam até a dançar como bons
namorados , veja só, não apenas nas carnes de algum leitão como também na barriga de algum brigão
impertinente, porque as contendas, como ritual inseparável da cerimônia dos
jantares foram ficando muito comuns.
5.Não demorou
muito e o cardeal Richelieu, o homem forte dos reinados franceses à sua época, sugeriu a criação de facas
arredondadas, para que os convidados não as usassem para palitar os dentes. O
cardeal devia estar cansado de comer restos de comida misturados com pedaços de
gengiva do rei e não devia estar nem um pouco satisfeito com isso. Como o rei
fazia tudo o que ele mandava, proibiu de vez as lâminas pontudas com o
pressuposto de coibir os casos de violência entre os comensais. Essa
modificação, definitivamente, foi de muita valia até hoje. Caso não tivesse
sido inventada, podemos imaginar o que ainda estaria acontecendo nas filas de
self-service dos nossos natais:
- Quero
aquele pedaço de leitão, ali.
- Qual?
- O que está
perto da azeitona preta.
- Desculpe,
mas vai ter que escolher outro. Eu também quero esse e estou à sua frente!
- Tem
certeza? Saiba que a minha faca é mais pontuda que a sua.
-É mesmo?
-E agora, deu
pra perceber?
-Meu Deus, ai
minha bunda! Sangue! Chame a polícia.
6.Só no
século dezoito o garfo ganhou o terceiro e o quarto dentes, tornando tudo muito
mais fácil. Agora já era possível carregar a comida e não apenas espetá-la. A
imaginação fez o resto e surgiram modelos específicos para ostras, peixes,
saladas etc. Veio o aço inoxidável barateando a produção em larga escala em
1914 e em 1919 nascia a faca de pão. Ano passado surgiu o Hapifork, um garfo
eletrônico que registra os hábitos alimentares do dono, a duração da refeição e
o total de garfadas, passando a informação, via USB, para planilhas
eletrônicas.
Só falta
inventarem um que transfira os arrotos.
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