artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Qual o melhor filme? Os brutos também amam, O homem dos vales
perdidos ou Shane? Na verdade, todos os três, já que se tratava do mesmo
filme. Vá lá, a estas alturas os cinéfilos da ilha já relacionaram Shane, o faroeste que ganhou o Oscar em
1954, à sua versão brasileira de título Os
Brutos Também Amam (aliás, bem
melhor que o original), mas será que
alguém, mesmo os bons cinéfilos, se lembram de O homem dos Vales Perdidos?
Pois foi com o título de O Homem dos Vales Perdidos que vi um dos
melhores filmes da minha vida - quiçá o
melhor - sem sequer tê-lo assistido na tela. Explico: na época em que era pre-adolescente
e lia tudo quanto era revista em quadrinhos, de Capricho a Tarzan, Fantasma a
Cisco Kid, apareceu uma série de revistas de formato um pouco menor, publicadas
por uma editora cujo nome era, se não me engano, Editormex, que reproduziam
filmes, com fotos P&B.
As aventuras destas, claro, ganhavam das
demais em maturidade e realismo, o que deslumbrava as crianças como eu que, por essa época,
faziam a transição das histórias em quadrinhos para os livros. Os títulos, por
alguma razão, não eram os mesmos dos filmes, de forma que só algum tempo mais
tarde percebi que as aventuras se referiam, de fato, a filmes famosos nas telas.
Por exemplo, as aventuras de Tarzan eram reproduzidas com o título de Antar, fosse com o ator John Weissmuller ou Gordon
Scott. Mas foi, sem dúvida, O homem dos Vales perdidos - ou Os
Brutos também Amam, ou Shane - a que mais me marcou a ponto de ainda hoje acreditar que não
haverá filme assistido no cinema capaz
de reproduzir a emoção que a leitura dessa revista me causou, o que me fez pedir à minha tia para conservá-la
numa encadernação com outras cinco, num volume que reli várias vezes e cujo extravio hoje tanto me pesar me causa.
Possivelmente,
os felizardos que viram o filme no cinema ou na tevê puderam apreciá-lo de
forma equivalente, e devem ter saído com
a impressão de um dos melhores faroestes de todos os tempos, o que não é pouco.
Ali estão reproduzidos todos os sintomas típicos de sedução da saga peculiar aos westerns ; a valentia, a luta do bem contra o
mal, a batalha pela sobrevivência num ambiente inóspito só que, neste caso, acrescidos dos mecanismos existenciais que o tornaram
um faroeste único: a paixão de corações brutos, ‘que também amam’; o extravasamento violento, mas
surpreendentemente elegante, dos sentimentos
reprimidos e, sobretudo, a maior de todas
as liberdades que é a da juventude a derivar na idealização de um personagem de
contos de fadas, tão real quanto possível: solitário, misterioso e indestrutível. Enfim, o eterno mito da valentia generosa, surgida sem onde
nem pra onde, e sabe-se lá porquê.
Todas essas nuances podem ser
percebidas na tela, talvez, porém, quando reproduzidas em fotos sequenciais,
como as que estiveram ao meu alcance, adquirem uma dimensão vários graus mais
elevada, como se o efêmero das imagens na tela as impedisse de estratificar plenamente
no coração do receptor as sensações de obra
de arte jamais concebida. Cenas memoráveis como as do enlevo adúltero da mãe do
menino Joey, ao ser contemplada pelo
cavaleiro solitário, na penumbra. Ou o da face da maldade no expressivo rosto
de Jack Palance , ao liquidar num riso
sardônico um pobre posseiro, concentram-se nas fotos e dela se apropriam, como
se o fantasma do acontecido, (como um orgasmo ou algum outro tipo de êxtase) pudesse perdurar através da foto
infinitamente.
A motivação
para escrever esta crônica me veio de um texto lido de Sérgio Augusto, dias
atrás em o Estado de São Paulo, quando este se referiu a um livro escrito nos
USA, no qual o autor se dava ao direito de fantasiar sobre os finais
inconclusos de grandes filmes como Casablanca, ET e o próprio “Shane”. Mas, no
caso deste último, a qual se referia: o
da tela, ou o da revista que li?
Porque o do filme
que vi, na revista, jamais poderia ter outro epílogo, ou continuação. Quando o
menino Joey grita para as montanhas dos vales perdidos clamando por Shane!
Shane!, e o pistoleiro solitário desaparece
no horizonte, o que está indo embora não
é um homem valente apenas, mas as esperanças da juventude repentinamente
frustradas na idealização de um sonho irrealizável. Mais ou menos como descrito
no célebre soneto As Pombas de Raimundo Correia quando, a reboque do fulgor da
juventude os sonhos céleres voam, mas, como diz o verso final e todo mundo sabe,
‘estes aos corações não voltam mais’.
Jose
Ewerton Neto http://www.joseewertonneto.blogspot.com
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