artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
O QUE SOMOS,
DE ONDE VIEMOS, PARA ONDE VAMOS? Seria essa questão - que marca o destino humano como uma solução
insondável para a filosofia e a ciência
-, diferente daquela que estamos fazendo, a todo instante, a propósito do
desaparecimento do Boeing 777 que ia da
Malásia para a China e que bruscamente, desapareceu há mais de uma semana com 232
pessoas a bordo? O que aconteceu com
eles, para onde foram, onde estão agora?
Lamentavelmente,
é nessas horas que a monumental fragilidade do ser humano, expõe a face mais aguda de nossa impotência,
quando o avanço tecnológico de que tanto
nos orgulhamos revela sua insuficiência
mais cruel: aquela incapaz de impedir que seres humanos permaneçam sem saber se seus
parentes queridos estão mortos ou não. É quando a morte, flagelo de nossa
própria existência, surge como porto seguro de nossas angústias : “Ah, se pelo menos dissessem que
estão mortos e nos entregassem seus corpos para serem velados!” Nesse caso, fazendo
eco à questão primordial citada acima, que tanto torturou artistas como Gauguin, filósofos,
e cientistas.
As sucessivas
reportagens da imprensa e tevê, ao transmitirem as vãs tentativas de
esclarecimento do episódio, expõem a ignorância de quem deveria dar a resposta,
a estupefação da população e a revolta desesperada daqueles que tem laços
afetivos com os que estão desaparecidos. De repente (como já aconteceu outras
vezes) 232 pessoas embarcadas em uma cápsula gigantesca jogada aos céus (um
avião, claro) desaparecem e ninguém sabe onde estão. É como se também se dissipassem, num segundo, não só a tal gigantesca cápsula, concebida
com o que de melhor a inteligência de nossa raça produziu, como também todo um aparato
tecnológico de comunicação que deveria, no mínimo, ser capaz de dizer o que
aconteceu a essas infortunadas pessoas.
Nessas horas, como
são de mísera valia os resultados
estatísticos que comprovam (?) que o
avião é o meio de transporte mais seguro
que existe! Basta que nos coloquemos,
por alguns segundos, nas mentes dos que sofrem pelos entes desaparecidos e que
não querem saber de estatísticas. Para estes, como a mãe de um deles, a coisa é
simples: “Então, compro uma passagem caríssima para um filho meu, que decide viajar
perto das nuvens para chegar mais rápido. Como foi prometido o melhor da
segurança tecnológica para acompanha-lo pude ficar relativamente tranquila quanto
a isso, embora saiba que riscos sempre haverão. Eis que acontece um acidente dentro dessa
margem improvável de falha, só que seria um pouco menos doloroso se me
dissessem que meu filho morreu por isso ou por aquilo, mas o que impressiona e
entristece muito mais é que com toda a
tecnologia hoje disponível no mundo, ninguém consegue sequer dizer o que
aconteceu com ele. Meu Deus! Que raios
de segurança é essa?”
Conversava uma semana atrás sobre esse acidente com
alguns amigos, e o assunto era a segurança dos voos quando comparada a outros
meios de transporte. Baseando-se nos dados acima alguém disse que o medo de viajar de avião não
faz sentido, por ser essa uma forma de viajar mais segura, quando comparada,
por exemplo, ao transporte terrestre. Sem
tomar partido no debate me passou pela cabeça
a ideia de que, quando estamos em baixo, é um pouco mais fácil nos
iludirmos em acreditar que sabemos o que somos , de onde viemos e para onde vamos,
porque estamos em nossa própria estrada . No avião, sequer essa ilusão é
possível, ao nos defrontarmos, nas nuvens, com a realidade frágil de que
estamos numa estrada a mais de 12 mil metros de altura, que nunca mais veremos
da mesma forma, ainda que voltemos à mesma rota mil vezes.
Na sexta-feira
passada um radar detectou um tremor de águas nos mares entre a Malásia e o
Vietnã, sugerindo a possibilidade de que o avião tenha findado nessas águas.
Lembrei então do belo hai-kai de um poeta chinês inspirado na contemplação posterior
do palco de uma sofrida batalha: “O verdor do verão foi tudo o que restou do sonho dos guerreiros mortos.”
Torçamos
então, se ainda houver tempo, para que um tremor de águas não seja tudo o que restou do sonho de
232 pessoas e para que as empresas
milionárias de aviação (fabricantes e transportadores) se empenhem, doravante, em pelo menos responder o elementar “para onde vamos” , nas viagens
que estiverem sob suas responsabilidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário