artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
“A verdade de uma pessoa não está naquilo que ela te revela, mas naquilo
que não pode revelar-te. Portanto, se
quiseres compreendê-la, não escute o que ela diz, mas antes, o que ela não diz.” Khalil Gilbran
“Um homem de verdade, morre em busca de sua verdade”
Quem, de
verdade, encara a sua própria verdade? Isso é muito difícil, essa é a verdade.
E nem mesmo
isso acontece porque o conceito de verdade seja complicado, mas porque, muitas
vezes é preferível não dizê-la... Ou encará-la.... Ou sabê-la. Taí Jesus
Cristo, na Bíblia, diante de Pilatos. O imperador romano lhe perguntou: “És tu
o rei dos judeus?” Cristo silenciou, até que, diante da insistência do romano, acabou
respondendo: “Eu sou a verdade”. E Pilatos retrucou: “O que é a verdade?” Jesus
Cristo silenciou, desta vez para sempre.
Ora, se o
próprio filho de Deus não quis responder, vai ver que com esse negócio de
verdade é melhor não mexer, nem insistir, nem esclarecer. Como se Jesus Cristo,
com seu silêncio, quisesse dizer nas entrelinhas.: “Não sou eu quem vai te
ensinar o que é a verdade. Procura e acha, se fores capaz!”
Existem,
como todos sabem, verdades genéricas que são aquelas que dizem respeito a um
grupo de pessoas ou fatos e que, um dia, vão ser conhecidas através da ciência,
mais cedo ou mais tarde. Já as verdades individuais, estas são íntimas de cada
um, a respeito das quais ninguém pode
saber mais que o próprio indivíduo. Como raros seres humanos se atrevem a
conhecê-la é fácil deduzir que cada um deva ter a sua verdade oculta - e assim esta permaneça até o
fim.
Mas, o que
seria mesmo essa verdade oculta? Não se trata de um fato escondido, de algo que
aconteceu e que se evita contar, mas de uma verdade que nenhuma outra pessoa
sabe ou imagina. Muitas vezes está tão recôndita nos desvãos do cérebro de cada
um que nem mesmo o seu dono sabe que ela existe. Mas que existe, existe...Prova
disso é que nenhuma pergunta assusta tanto o ser humano quanto esta,
pronunciada geralmente quando o sujeito está desprevenido:
- Você quer
mesmo que eu diga a verdade sobre você?
Pronto, de
repente, toda a segurança desmorona, a alegria desaparece, a tranquilidade
some. O primeiro impulso do questionado é o de fugir para bem longe: “Merda, será
que esse filho da puta descobriu, finalmente, o que nem Deus sabia?” Essa única
reação possível surge com um gesto afetado de pretensiosa segurança para esconder o quase grito de
clemência, com a voz trêmula: “Se tem o que falar fale logo. Todos sabem que
nada tenho a esconder ou a revelar”.
O pior é que
sempre tem.
Alguns
milhares de anos atrás, o filósofo Sócrates se preocupava com isso, e emitiu o primeiro sinal de alerta: “Conhece-te
a ti mesmo”. Mas, claro, isso só fazia parte das preocupações dele e de mais
uns poucos. Alguns séculos se passaram, e se atentou que o vinho facilitava esse
dom: de reabrir os horizontes da cabeça dos homens em busca dessa verdade,
tanto assim que isso deu origem à sentença latina: “In vino veritas” (No vinho
está a verdade).
Depois, também a cerveja, o uísque, o livro, a poesia, o
desenvolvimento da ciência, Darwin e Freud, que passou a vida mexendo com
estudos nessa direção. Infelizmente, porém, a coisa só chegou até os psicanalistas,
que se especializaram em descobrir a verdade do outro, mas nunca chegam perto. Ora,
como vai achar a verdade de alguém um sujeito que não sabe sequer qual é a sua?
E assim, de verdade em verdade, e de mentira em mentira, as verdades pessoais se
tornaram supérfluas no mundo de hoje, parecendo que ninguém em sã consciência quer
saber da verdade; nem a sua, nem a de ninguém e, principalmente, sequer se
existe verdade.
Porque o que
grassa na vida atual, é justamente o que está ligado à capacidade de tanta gente
confundir mentira com ilusão e verdade com realidade. A vida se tornou
supérflua e sem substância porque se é mais tolerante com a inverdade dos
outros do que com a sua própria verdade. Em nome da convivência com mundo é
mais fácil consumir seja lá o que for, a qualquer custo, do que evitar ser consumido por tudo isso. Todo
mundo sabe a ‘verdade’ dos políticos (a maioria estás aí para tirar proveito),
mas é preferível justifica-los de uma ou outra forma, votando sempre no último,
cuja mentira for mais aprazível. Todo mundo sabe a verdade dos programas de
tevê tipo BBBrasil (a de que alguém o está fazendo de besta) mas prefere
acreditar que isso o está satisfazendo. Todo mundo sabe a verdade sobre a
porcariada musical que lhes empurram, de Luan Santana e duplas sertanejas, mas
prefere aceita-los porque a verdade de idolatrar alguém, sabidamente idiota, é
menos dolorosa do que a de ser reconhecido como um.
Quem se lembra, no seu cotidiano, da verdade das verdades: a de
que vai morrer um dia? Ninguém, claro, e é por isso que cada dia mais os
hospitais estão cheios de doentes terminais, entregues aos aparelhos cirúrgicos,
ao estoicismo dos médicos e ao distanciamento das famílias.
Para que
serve a verdade? Vivemos muito melhor sem ela, e quanto mais profunda e vasta, a
ponto de desnudar alguém diante de si, mais abominável será considerada pela covardia
do homem. Que os sábios procurem as suas verdades e sofram ou se regozijem com
elas. Verdades não foram feitas para seres humanos.
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