domingo, 3 de maio de 2015

VIDA (SERÁ QUE ESTAMOS VIVOS?)



artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão, sábado


PROVANDO QUE SE VIVE

            Jamais imaginei que um dia fosse duvidar de que estou vivo, pelo menos enquanto estou vivo. Isso aconteceu quando o Governo Federal, via Caixa Econômica,  me exigiu  uma prova de vida. Confesso que fiquei atarantado. Vai ver que tudo o que faço: crônica neste jornal aos sábados, publicações na mídia virtual;  um livrinho escrito aqui, outro ali; imposto de renda anual concluído na marra, alvarás de funcionamento, IPTU, IPVA, conta de luz , água e telefone pagos todo mês, além de respirar, comer beber e dormir e xingar o time adversário no estádio de futebol - tudo isso é insuficiente. Para o Governo isso é nada.

            Tanta convicção de parte deles em duvidar, acabou fazendo, no entanto  com que, desgraçadamente, eu começasse a ter dúvidas dessa que até agora é a única certeza que um pobre ser humano, pode  ter na vida: a de estar vivo. Ou não? Se  morreremos um dia é por que estamos vivos, não é ? E, foi então que comecei a encucar, aos poucos concordando com o governo que, de fato, nós seres humanos não devemos mesmo ter tanta certeza disso. Será que vivemos? (Sequer me explicaram ainda suficientemente porque nasci e o que vim fazer neste mundo.) E a vida, o que é? 




                                                   





Será que estamos vivos, de fato, ou tudo não passa de um breve sonho conforme sugeriu  Calderon de la Barca? Idem, existe também um manancial enorme de  literatura e filmes  que sugerem a possibilidade de que vivamos num mundo ilusório, marcados por uma Matrix.
            Filosofias à parte, no caminho  para o Banco para provar que estou vivo fiquei imaginando o que me caberia fazer para praticar este ‘dificílimo’ testemunho de mim mesmo. E se o analista,  mesmo à vista de um corpo falante de altura mediana, peso mediano, e – nestes dias – esperança com o Brasil  abaixo de zero e medo de ser assaltado mediano, contestasse a minha potencial prova? Será que teria de pular? Cantar o Hino Nacional? Será que iriam tirar minha pressão?
            Enquanto todas essas hipóteses me apareciam como, insuficientes para provar a vida, deveras, tentei imaginar algumas alternativas,  digamos assim, contundentes, para o caso de não haver solução para a questão.

            1.Dar um berro diante do examinador. 

                                                          



Taí uma maneira relativamente prática de  provar que se está vivo. O berro não precisaria ser assustador, mas teria que durar mais de um minuto para que houvesse, pelo menos, testemunha e tempo de fazer o registro em áudio. A duração teria de acontecer, porque - já que eles desconfiam de tudo-, quem garante que não poderia ser esse  o ultimo berro, ou o ultimo suspiro?

            2.Entregar ao examinador um vídeo dançando-se qualquer coisa agitada, de preferência um funk agressivo, desde que fosse possível repetir  a cena in loco reproduzindo os urros e a dança,  para provar que se é a mesma pessoa. Quanto mais xingamentos tivesse o funk melhor. Só os vivos xingam.

            3.Propor que uma parte da banca examinadora fosse constituída de masturbadoras profissionais, do tipo  das que existem nos hospitais da China. Sim, porque  -supõe-se – “deve ser aceito como vivo todo aquele capaz de gerar vida”. A grande vantagem desta solução para o Goverrno é que estas especialistas seriam capazes de medir a intensidade do esperma e sua velocidade, para caracterizar as graduações de vida. A análise seria de tal ordem objetiva que a classificação passaria a ser , segundo o resultado, Vivo, Muito vivo, Semi-morto ou Quase-morto. Evidentemente que um sujeito classificado como semi-morto teria direito a apenas uma parcela da ajuda previdenciária. Não seria brilhante a ideia, para aumentar a arrecadação do Governo nestes tempos sombrios?


                                          



            Etc etc. fiquei imaginando outras opções para lista-las diante de um provável fracasso de minha prova, mas o tal atestado me veio de uma forma tão simplória que, falando a verdade, não me pareceu estar à altura   de uma prova de vida. Pediram-me apenas  a carteira de identidade o que, de uma certa forma me constrangeu. Quase digo inconformado: “Ora, minha vida vale muito mais do que o  que pode ser provado com isso daí”.
            Não saí do banco mais vivo do que sempre fui, nem com a sensação de orgulho por possuir, agora, um atestado de vivo.  Pelo contrário, havia a sensação frustrante de que se viver é algo tão insignificante  que precisa ser provado; para muitos, encastelados nos porões da burocracia governamental esse mesmo ato (de viver) consiste apenas em criar dificuldades para o outro. Quem sabe se aceitassem algumas das sugestões acima, suas vidas se tornariam, pelo menos, mais emocionantes.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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