artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão, sábado
PROVANDO QUE
SE VIVE
Jamais
imaginei que um dia fosse duvidar de que estou vivo, pelo menos enquanto estou
vivo. Isso aconteceu quando o Governo Federal, via Caixa Econômica, me exigiu uma prova de vida. Confesso que fiquei atarantado.
Vai ver que tudo o que faço: crônica neste jornal aos sábados, publicações na
mídia virtual; um livrinho escrito aqui,
outro ali; imposto de renda anual concluído na marra, alvarás de funcionamento,
IPTU, IPVA, conta de luz , água e telefone pagos todo mês, além de respirar,
comer beber e dormir e xingar o time adversário no estádio de futebol - tudo
isso é insuficiente. Para o Governo isso é nada.
Tanta
convicção de parte deles em duvidar, acabou fazendo, no entanto com que, desgraçadamente, eu começasse a ter dúvidas
dessa que até agora é a única certeza que um pobre ser humano, pode ter na vida: a de estar vivo. Ou não? Se morreremos um dia é por que estamos vivos,
não é ? E, foi então que comecei a encucar, aos poucos concordando com o governo
que, de fato, nós seres humanos não devemos mesmo ter tanta certeza disso. Será
que vivemos? (Sequer me explicaram ainda suficientemente porque nasci e o que
vim fazer neste mundo.) E a vida, o que é?
Será que estamos vivos, de fato, ou
tudo não passa de um breve sonho conforme sugeriu Calderon de la Barca? Idem, existe também um
manancial enorme de literatura e filmes que sugerem a possibilidade de que vivamos num
mundo ilusório, marcados por uma Matrix.
Filosofias à
parte, no caminho para o Banco para
provar que estou vivo fiquei imaginando o que me caberia fazer para praticar
este ‘dificílimo’ testemunho de mim mesmo. E se o analista, mesmo à vista de um corpo falante de altura
mediana, peso mediano, e – nestes dias – esperança com o Brasil abaixo de zero e medo de ser assaltado mediano,
contestasse a minha potencial prova? Será que teria de pular? Cantar o Hino
Nacional? Será que iriam tirar minha pressão?
Enquanto
todas essas hipóteses me apareciam como, insuficientes para provar a vida, deveras,
tentei imaginar algumas alternativas, digamos
assim, contundentes, para o caso de não haver solução para a questão.
1.Dar um
berro diante do examinador.
Taí uma maneira relativamente prática de provar que se está vivo. O berro não
precisaria ser assustador, mas teria que durar mais de um minuto para que
houvesse, pelo menos, testemunha e tempo de fazer o registro em áudio. A
duração teria de acontecer, porque - já que eles desconfiam de tudo-, quem
garante que não poderia ser esse o
ultimo berro, ou o ultimo suspiro?
2.Entregar
ao examinador um vídeo dançando-se qualquer coisa agitada, de preferência um
funk agressivo, desde que fosse possível repetir a cena in
loco reproduzindo os urros e a dança, para provar que se é a mesma pessoa. Quanto
mais xingamentos tivesse o funk melhor. Só os vivos xingam.
3.Propor que
uma parte da banca examinadora fosse constituída de masturbadoras profissionais,
do tipo das que existem nos hospitais da
China. Sim, porque -supõe-se – “deve ser
aceito como vivo todo aquele capaz de gerar vida”. A grande vantagem desta
solução para o Goverrno é que estas especialistas seriam capazes de medir a
intensidade do esperma e sua velocidade, para caracterizar as graduações de
vida. A análise seria de tal ordem objetiva que a classificação passaria a ser
, segundo o resultado, Vivo, Muito vivo, Semi-morto ou Quase-morto.
Evidentemente que um sujeito classificado como semi-morto teria direito a
apenas uma parcela da ajuda previdenciária. Não seria brilhante a ideia, para
aumentar a arrecadação do Governo nestes tempos sombrios?
Etc etc.
fiquei imaginando outras opções para lista-las diante de um provável fracasso
de minha prova, mas o tal atestado me veio de uma forma tão simplória que,
falando a verdade, não me pareceu estar à altura de uma prova
de vida. Pediram-me apenas a carteira de
identidade o que, de uma certa forma me constrangeu. Quase digo inconformado: “Ora,
minha vida vale muito mais do que o que
pode ser provado com isso daí”.
Não saí do
banco mais vivo do que sempre fui, nem com a sensação de orgulho por possuir,
agora, um atestado de vivo. Pelo
contrário, havia a sensação frustrante de que se viver é algo tão
insignificante que precisa ser provado; para
muitos, encastelados nos porões da burocracia governamental esse mesmo ato (de
viver) consiste apenas em criar dificuldades para o outro. Quem sabe se
aceitassem algumas das sugestões acima, suas vidas se tornariam, pelo menos,
mais emocionantes.
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