Trechos de uma Boa Entrevista
( O MELHOR DAS BOAS ENTREVISTAS - agora quinta-feira neste
blog)
Lina Meruane , escritora chilena, escreveu Febre no olho, sucesso editorial nos USA
agora traduzido no Brasil pela Cosac Naify sobre o drama de uma mulher ter tido a visão
obscurecida por um derrame ocular, fato semelhante que aconteceu consigo em
menor escala. Entrevista concedida ao jornal Rascunho, edição de maio de 2015.
(...)
1.Quais são os elementos da jornada em busca da cura? Ou
ainda, a cura existe? Cura do quê?
Não sei se entendo essa pergunta, claro que há curas para
muitas doenças físicas e emocionais, mas a cura total não existe: trata-se de
um raro equilíbrio, cura-se de uma enfermidade e aparece outra; cura-se de uma
angústia e aparece outra. A vida é uma longa doença degenerativa.
2.Caso houvesse uma inversão de papéis em Sangue no Olho ( romance da
entrevistada) e fosse a protagonista que cuidasse do outro, como seria? As
mulheres se veem em posição mais vulnerável quando acometidas por uma doença ou
o gênero não importa?
O gênero importa muito. Historicamente as mulheres prezam o
sacrifício como um valor: a mãe deve se sacrificar por seu filho, o pai
contribui; a esposa se sacrifica pelo marido mas não deve esperar o mesmo de
volta; a filha se sacrifica pelos pais e, sobretudo, pela mãe porque lhe deve a
vida enquanto seus irmãos se apoiam nela...Isso está poderosamente inscrito na
cultura e se reforça o tempo todo através de discursos múltiplos sociais. Quando
as mães conseguem dizer não aos pedidos dos filhos sem se sentirem culpadas? Quando
na intimidade de um casal, a mulher logra colocar suas necessidades acima da
dos outros como quase sempre fazem os demais? Não são as filhas que se
encarregam de cuidar dos pais idosos mais frequentemente?? Não digo que seja
sempre assim, o que digo é que custa mais às mulheres deixarem de agir assim
porque foram educadas para servir e para sentir que seus desejos e talentos possuam
menos valor. Isso segue sendo assim e é difícil de enxergar. Quando tenho
alguma dúvida na minha vida pessoal, sempre, como regra, inverto a situação e
penso no contrário: o que fariam o meu parceiro, o meu irmão, o meu pai ou o
que faria nessa situação se eu fosse um homem? (...) Para não me prolongar foi
isso o que eu fiz ao escrever o meu romance, dar uma volta na relação do gênero
e ver a situação clássica desde a inversão. O que surpreende os leitores é
precisamente essa inversão: aí se enxerga as coisas muito melhor, e elas
assustam muito mais.
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