artigo publicado no jornal o Estado do Maranhão,
hoje quinta-feira.
Corpo, mente, braços, pernas, pra quê? Seres humanos são
dispensáveis, principalmente se for para atender outro humano. Se você ainda
não apreendeu isso, precisa aprender com urgência. Ou melhor, poupe seu
trabalho: se você tem um celular uma prestadora de serviços telefônicos logo
lhe ensinará.
Você verá
que seres humanos foram substituídos por uma voz. Uma voz inumana, monocórdia, indiferente e...
Outro dia disquei tentando resolver um problema junto a uma concessionária de
serviço telefônico. Fui recebido por uma voz que me oferecia dez a vinte opções
de escolha para atendimento. Pensei, enquanto
tratava de me decidir, que se existissem dois milhões de opções o tom de voz
seria o mesmo. Era a voz de alguém, claro, mas de alguém que não existia, pelo
menos de corpo e alma presentes. Estaria o dono dessa voz num escritório, no
pico do Everest, no céu, no purgatório
ou no inferno? Seria a voz do capeta? De opção em opção com um fundo musical mais
torturante do que a fala imperturbável do meu “amigo virtual” fui adentrando no reino do desconhecido, do
improvável e – logo constatei – do insolúvel.
Sim, porque
se você quiser de fato resolver seu problema nem adianta tentar, como
alternativa, uma das lojas das concessionárias ou a internet. Loja?
As lojas são
plenas de atendentes para fazê-lo adquirir um contrato, nunca para solucionar
seu problema. Isso você deduz, rapidamente, após um “proveitoso” diálogo com a atendente que, via
de regra, se passa assim, depois que ela se adianta : “Queira me desculpar,
moço, mas esta loja não é pra isso” “Como?” “É o que estou lhe explicando. Aqui não tratamos de problema de clientes, muito
menos dos seus aparelhos.“ “Como???? Mas...Será que entendi? Então só resta acreditar que...” “Isso mesmo! Seres
humanos nesta loja servem apenas de enfeites. Volte para a voz. Seu problema é
com ela!”
Na Internet,
o calvário é da mesma ordem. Nesta, os seres humanos não são substituídos por
vozes, mas por palavras e senhas. Um e-mail mandará você ligar para um telefone especial ( o mesmo da voz que você
já conhece) , este mandará você de volta
à Internet.
Dia virá,
muito em breve, que (numa mensagem de telefone, ou na rede) alguém lhe acusará
de um crime que você não cometeu. As janelas e os sites se abrirão
fornecendo-lhe algumas opções para provar a sua inocência. Você apertará botões
e mais botões freneticamente, mas uma mensagem surgirá em resposta acusando a
invalidade dos seus dados. Advogado? O que significa isso a estas alturas? Foi
substituído por um ‘help’ na tela do computador que não lhe olha, nem lhe vê. Desesperado,
você tentará identificar um telefone, um
só, no qual consiga descobrir a voz de
um mísero ser humano que lhe ajude. Em
vão. Suando frio, só lhe restará voltar
ao computador para buscar esclarecer, por fim,
o erro tão grave que você cometeu mas aí já será tarde demais. A polícia estará nesse momento batendo à sua
porta. Seres humanos, finalmente!
Porém, não
pra lhe ajudar, mas para lhe levar pro inferno.
E, assim, você chegará à conclusão (um
tanto tardia) que a voz, que lhe atende sempre tão mal do lado da recepção da
companhia telefônica, é, como você desconfiava, a voz do capeta.
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