artigo publicado hoje, quinta-feira no jornal
o Estado do Maranhão
NAURO POETA, POETA
NAURO
Jose Ewerton Neto, autor de O Oficio de matar suicidas
Morto Nauro Machado, as declarações em
louvor à sua memória não se demoraram em exaltações à sua obra poética, pois esta, já consolidada e
sabida, disso não precisava. Com notável frequência aqui e ali, se preferiu
destacar alguns aspectos singulares de sua trajetória de vida, como escritor e,
principalmente, como personagem de si mesmo, com toda a refulgente abrangência
que, no seu caso, isso lhe propiciou.
De todas as
excepcionais virtudes de seu talento múltiplo (era também ensaísta e cronista) nenhuma
terá se estratificado mais no horizonte da imortalidade do que a de ter sido um
poeta na verdadeira acepção da palavra (perdoem-me o clichê ) como hoje em dia
já não há. Um autodidata que desde cedo, na juventude, incorporou e escolheu
como objetivo maior de sua vida a dedicação ao exercício da poesia em sua
totalidade e sem concessões. “A danação divina”, “a maldição benfazeja”, “ o veneno da tristeza
na alegria ou vice-versa”, enfim todas essas imposições que fazem parte do
labor cotidiano de quem dedica sua vida a tanger os píncaros da glória, sabendo-se
no entanto, torturantemente preso ás amarras de sua sina: essa dedicação solitária
do escritor a um ofício que é duro, mas como dura! , como ele muito bem soube destacar
em versos de quem vivia e sabia do que estava falando.
E que poucas
vezes teve sua tradução artística expressa de forma tão escancarada e sublime
como no filme Infernos, de Frederico
Machado, seu filho, quando este conseguiu,
com raro talento, captar todo esse
formidável compromisso de um artista (seu pai) para com sua vocação.
Ali estão
o poeta andarilho, os livros que amava,
a febril intensidade de sua vocação, a pulsação de seus versos em sua
voz, o desapego às formalidades e às
convenções quando em busca de sua liberdade poética, e a fotografia da incorporação das ruas e
luzes da cidade como personagem dessa sua cruzada de forma tal que, em
contrapartida acabou se tornando, ele mesmo, personagem de sua cidade, como destacaram
alguns. Nauro Machado foi magnificamente
feito ator de si mesmo nesse curta metragem tão premiado, evocando em seu
roteiro, mesmo sem citação, os famosos
versos de Fernando Pessoa : “O poeta é um fingidor, finge tão completamente que
chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.” Quem o sucederá?
Conversávamos,
eu e alguns amigos escritores, sobre essa
impossibilidade. Uma plêiade de notáveis poetas continua, graças a Deus, a ritmar
a pulsação do coração poético da ilha de forma que, quer queiram quer não, quer
insistam em desfigura-la ou não, esta
jamais se dissociará de seu destino de ser a Atenas Brasileira . No entanto, o formato de alguém transformado em sinônimo
da poesia a ser apontado nas ruas por
mendigos, desvalidos, boêmios, intelectuais, ou simplesmente fantasmas do
cotidiano, que apontavam a Nauro Machado como se aponta a alguém de quem se
percebe a aura de uma significância impalpável , já não existirá mais.
Pois os
tempos modernos são plenos de velocidade, instabilidade, fragmentação e disputa
pela sobrevivência e de espaço nas ruas e nas redes sociais. A poesia continuará
jorrando nos intervalos dessa azáfama,
mas não se espera que se aproprie e se concentre em determinados indivíduos motivados a fazer mais que de suas vidas
poesia (como fez Rimbaud, por exemplo, em certa fase de sua existência) da poesia suas vidas. Como fez Nauro Machado,
poeta.
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