quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

NAURO MACHADO, POETA





artigo publicado hoje, quinta-feira no jornal
o Estado do Maranhão

NAURO POETA, POETA  NAURO
Jose Ewerton Neto, autor de O Oficio de matar  suicidas

                Morto Nauro Machado, as declarações em louvor à sua memória não se demoraram em exaltações à sua  obra poética, pois esta, já consolidada e sabida, disso não precisava. Com notável frequência aqui e ali, se preferiu destacar alguns aspectos singulares de sua trajetória de vida, como escritor e, principalmente, como personagem de si mesmo, com toda a refulgente abrangência que, no seu caso, isso lhe propiciou.  
            De todas as excepcionais virtudes de seu talento múltiplo (era também ensaísta e cronista) nenhuma terá se estratificado mais no horizonte da imortalidade do que a de ter sido um poeta na verdadeira acepção da palavra (perdoem-me o clichê ) como hoje em dia já não há. Um autodidata que desde cedo, na juventude, incorporou e escolheu como objetivo maior de sua vida a dedicação ao exercício da poesia em sua totalidade e sem concessões. “A danação divina”,  “a maldição benfazeja”, “ o veneno da tristeza na alegria ou vice-versa”, enfim todas essas imposições que fazem parte do labor cotidiano de quem dedica sua vida a tanger os píncaros da glória, sabendo-se no entanto, torturantemente preso ás amarras de sua sina: essa dedicação solitária do escritor a um ofício que é duro, mas como dura! , como ele muito bem soube destacar em versos  de quem vivia  e sabia do que estava falando.
            E que poucas vezes teve sua tradução artística expressa de forma tão escancarada e sublime como no filme Infernos, de Frederico Machado, seu filho,  quando este conseguiu, com raro talento,  captar todo esse formidável compromisso de um artista (seu pai) para com sua vocação.




                                                    






 Ali estão o poeta andarilho, os livros que amava,  a febril intensidade de sua vocação, a pulsação de seus versos em sua voz, o desapego  às formalidades e às convenções quando em busca de sua liberdade poética,  e a fotografia da incorporação das ruas e luzes da cidade como personagem dessa sua cruzada de forma tal que, em contrapartida acabou se tornando, ele mesmo,  personagem de sua cidade, como destacaram alguns.  Nauro Machado foi magnificamente feito ator de si mesmo nesse   curta metragem tão premiado, evocando em seu roteiro, mesmo sem citação,  os famosos versos de Fernando Pessoa : “O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.” Quem o sucederá?
            Conversávamos, eu e alguns amigos escritores,  sobre essa impossibilidade. Uma plêiade de notáveis poetas continua, graças a Deus, a ritmar a pulsação do coração poético da ilha de forma que, quer queiram quer não, quer insistam em desfigura-la ou não,  esta jamais se dissociará de seu destino de ser a Atenas Brasileira . No entanto,  o formato de alguém transformado em sinônimo da poesia  a ser apontado nas ruas por mendigos, desvalidos, boêmios, intelectuais, ou simplesmente fantasmas do cotidiano, que apontavam a Nauro Machado como se aponta a alguém de quem se percebe a aura de uma significância impalpável , já não existirá mais.



                                                        


                                



            Pois os tempos modernos são plenos de velocidade, instabilidade, fragmentação e disputa pela sobrevivência e de espaço nas ruas e nas redes sociais. A poesia continuará jorrando  nos intervalos dessa azáfama, mas não se espera que se aproprie e se concentre  em determinados indivíduos  motivados a fazer mais que de suas vidas poesia (como fez Rimbaud, por exemplo,  em certa fase de sua existência)  da poesia suas vidas. Como fez Nauro Machado, poeta.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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