Uma nuvem de mistério pairou sobre o ocaso da trajetória de três de nossos
grandes cantores da década de 70. A dúvida
sobre Belchior era “Por onde andará Belchior?”; sobre Geraldo Vandré “O que foi
feito de Geraldo Vandré?” e sobre Wilson Simonal “ Como pode ter desaparecido depois de um
sucesso tão avassalador?”
Sobre Simonal vamos encontra-lo em começos da década de 70, pleno
e esfuziante como show-man e apresentador. Mas não era apenas isso, Simonal era
muito bom cantor: Juca Chaves e Jô Soares o consideravam o melhor cantor do
Brasil. Para Maria Bethânia era nota 10 e melhor do que Chico Buarque. Idem
Vinícius de Moraes. Para Roberto Carlos era
um dos três melhores do Brasil ao lado de João Gilberto. Ah, sim, tem mais: Wilson
Simonal era negro, envolvente, e ostentava a riqueza adquirida. Teria isso alguma
coisa a ver com seu declínio? Mas o que aconteceu mesmo?
Vamos ao que sei de sua ótima biografia Simonal, de Gustavo Alonso:
Em pleno apogeu Wilson
Simonal montou sua própria empresa visando maximizar seus lucros e sua
imagem. Ao suspeitar de que estava
sendo lesado, socorreu-se de amigos que tinha no DOPS ( a polícia da ditadura)
para dar uma lição no seu antigo contador. Em tempos de repressão, o episódio
ganhou contornos de escândalo nacional, quando a vítima denunciou o ocorrido. Isso
bastou para que intelectuais da esquerda passassem a acusá-lo de informante e traidor.
Wilson Simonal tornou-se a bola da vez. Tudo começou quando o
Pasquim o taxou, em primeira página, de dedo-duro e traidor. A partir daí o cantor
encarnou para os jornalistas (que se
investiam da carapaça de resistentes ao regime) o protótipo do abominável e
execrável. Punir os dedos-duros era uma das intenções declaradas do Pasquim . O
cartunista Jaguar desenhou Sig, o mascote do jornal como uma estátua da liberdade em que lia-se o mandamento “Não dedurarás”.
Fecharam-lhe as portas. A Rede Globo deu para trás . O circuito universitário o
isolou. Em poucos dias seu talento e charme que antes magnetizavam plateias
foram soterrados Até as minorias o esqueceram. (Estranhamente, até hoje,
inclusive, sua bela composição de exaltação à raça negra Tributo a Martin L. KIng). Os colegas viraram-lhe as costas, esquecidos de que, além
de ter ajudado o início da carreira de Chico e Caetano, Simonal foi o primeiro
a gravar Toquinho.
Havia se transformado, a partir de uma Fake-news da época, em um
Negro Dedo-Duro. Num gesto desesperado e vão solicitou ao Ministério da Justiça
pós-ditadura o desagravo que tanto necessitava. O documento o reabilitou, nunca
se provou que tivesse sido informante, mas era tarde demais, a injustiça se
perpetrara.
Um único gesto de
solidariedade lhe foi prestado por Geraldo Vandré, que o visitou, ao fim, sendo,
talvez, o único dos seus colegas
cantores com legitimidade para isso, por ter enfrentado , de fato a Ditadura.
Vandré nunca foi um aproveitador de
ideologias, como disse Millor Fernandes de Chico Buarque de Holanda ao ser
perguntado porque a amizade entre ambos acabara
“Não confio naqueles que lucram com a
ideologia que defendem”.
Simonal não era político e nem propagava ideologias. Apenas,
ao seu modo, defendia a sua raça. Um grande cantor cujo filme a seu respeito,
recém- lançado e anunciado, merece ser
visto por admiradores ou não.
José Ewerton Neto é autor de O Ofício de matar suicidas
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