artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
Todos a conhecem, a ouviram e, mesmo
sem querer, já a cantaram. Isso porque a ingênua música (se é que podemos
chamar assim) do maranhense Manoel Gomes
‘bombou’ na Internet e o
transformou numa celebridade repentina.
Trata-se de mais um fenômeno de earworm (minhoca de ouvido) como se
definem aquelas músicas cujo refrão faz com que, inconscientemente, as fiquemos
repetindo mentalmente. Até aí nada demais, a não ser a aporrinhação, que não deveria
ser tão cruciante assim para quem, por exemplo,
tem às mãos um livro para ler. A verdade
é que o tal som chateia, mas ‘não mata’.
O curioso, porém, é que, à reboque de
sua divulgação massiva, começaram a se propagar na net, com maior velocidade ainda,
as piadas e as reclamações.
Certo, a música é ‘podre’ de tão chata,
mas será que precisa ficar repetindo isso? Ou por outra, tem o direito de achar
essa música tão execrável assim quem tem paciência para permanecer por mais de
duas horas em um show, escutando sons de duplas sertanejas, que são mais abomináveis
do que essa? Ora, como diz a anedota: “comprem um bode!”.
O pior é que esse tipo de competição acaba soando
favorável ao humilde compositor maranhense.
Na bizarria do seu sucesso não houve premeditação,
estruturas pagas de publicidade, nem esquemas mercadológicos que jamais
estariam ao alcance de seu bolso, como estão da conta bancária de fajutos
cantores sertanejos. Sem contar que deve ter aflorado, na excitação coletiva
pela música, a simpatia espontânea da população dirigida a um confiável e
singelo objeto que faz parte do nosso cotidiano, e a quem nunca se deu o devido
valor, ou seja, a uma humilde caneta, que pouco exige em troca pelo fato de nos fazer tão felizes .
Essa gente, que
se doa ares de apurado gosto musical quando reclama do non sense da simplória letra dessa música, se esquece de que esta
falta de senso é useira e vezeira em cantores consagrados de sua predileção, no
entanto, nem por isso se põem a achincalhá-los. Alguns exemplos:
1. Açaí, guardiã/Zum
de besouro um imã/Branca é a tez da manhã. De Djavan. Pode até soar
bonito, graças à melodia, mas as palavras parecem estar convalescendo em algum
hospício. Se a tez da manhã é branca, tudo bem, mas o que o açaí estava fazendo
lá? Haja besouro que justifique!
2. Minha
pedra é ametista Minha cor, o amarelo/Mas sou sincero/Necessito ir urgente ao
dentista. Esta é de João Bosco e sua sinceridade não se
esclarece, nem com muita dor de dente.
3. Abacateiro, acataremos teu ato/Nós também
somos do mato como o pato e o leão/Aguardaremos brincaremos no regato/Até que
nos tragam frutos teu amor, teu coração. De Gilberto Gil. Parece que Gil estava tão sem inspiração, que para
facilitar a rima resolveu sequestrar o
abacateiro. Coitado do abacate!
4. Que não é o
que não pode ser que/Não é o que não pode/Ser que não é/O que não pode ser que
não/É o que não/Pode ser/Que não/É. Esta é
dos Titãs. Quem sabe, são ecos do dilema Shakespeariano do ser ou não ser, pouco antes de um dilúvio mental.
E, assim por diante...
Que esta crônica seja encarada como um singelo desagravo
ao tão vilipendiado, quanto humilde, Manoel Gomes em busca de seus quinze
segundos de fama. Que pode até ser pra lá de chato, mas, por aí existem piores! E como!
José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luís, em terceira edição revista e ampliada, ainda este ano,
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