Esta foi do tempo em que alguém do
povo podia enganar os poderosos, ao contrário de hoje quando estes não permitem
ao popular a menor chance.
Nossa história começou em 1792 quando Nicolau, preto e escravo do tenente- coronel João
Paulo Carneiro, fugiu para o mato de
onde retornou trazendo uma ideia. (Dizia Pablo Neruda que para escrever um romance bastava por na
frente uma letra maiúscula e termina-la com um ponto final ...desde que no meio
se colocasse uma ideia). Nicolau, que não sabia escrever nem ler e, tampouco, romancear,
sabia, no entanto, colocar uma ideia no
meio para sobreviver. Decidiu levar sua ideia em forma de romance ( ou mentira,
tanto faz) para o os ouvidos do governador
da província, Fernando de Noronha. Se o governador achou sua narrativa parecida
com a de um romance, não se sabe, o certo é que aceitou que era pura realidade.
Corria por
esses tempos a notícia de que pros lados
da Lagarteira havia um quilombo, que já formaria uma cidade denominada Axuí. Pois Nicolau disse ao governador que, em
suas andanças pelos matos, a descobrira, e que esta era habitada por negros tão ricos que
tinham uma grande imagem de ouro de Nossa Senhora da Conceição; e que bebiam em
cuias também de ouro. Mesmo com fama de
embusteiro, sua história mirabolante alimentou os sonhos de cobiça do governador que, nesse mesmo
dia, dia fez questão de rezar para Nossa Senhora da Conceição para que ela permitisse
a Nicolau trazer-lhe a sua Nossa Senhora da Conceição particular. De ouro,
claro.
Deu a Nicolau
a patente de capitão de milícias e carta branca para agir como fosse preciso. Empoderado
até a alma Nicolau se soltou, dando asas,
agora, não somente à imaginação. Passou a frequentar banquetes e a comer do bom
e do melhor. Quando alguém duvidava de sua prosopopeia Nicolau arranjava, ‘na
marra’, falsos testemunhos. Foi o que aconteceu com Antonio Tatu. Tendo este se
negado Nicolau mandou prendê-lo, descobrindo o que era preciso para fazer um
tatu andar depressa. Faltava agora somente arregimentar equipamentos, material bélico e desvairados
de toda ordem.
Aprontou-se
então um ‘exército de Brancaleone’ versão maranhense com 2000 pessoas, tendo Nicolau como guia e mais soldados de linha, índios, e simplesmente pedestres,
dispostos em hierarquia de comando de guerra.
Em 3 de
agosto de 1794, saiu a tropa por mar dividida em dois grupos , o principal rumo
ao Munim, desembarcando em Santa Helena, sob a guia de Nicolau , o outro sob a
guia de Tatu, desembarcando em Alegre e marchando para Lençóis Grandes e daí
para o mato . Depois de muita fome e sacrifício, gatinhando morros e atravessando
riachos e muritizais, depois de 18 dias
chegaram ao ‘Eldorado’ anunciado. Só que agora faltava o ouro, a prata, e, evidentemente,
Nicolau, que havia fugido.
Resumo da missa. Tiveram de retornar na calada de
noite a São Luís, ocultos para não passarem vergonha. Nicolau foi preso e, sem
ter a recorrer (jamais houve ou haverá STF para pobre neste país) , foi
condenado à prisão perpétua.
Enquanto isso o governador não foi
sequer admoestado. Tampouco havia Ministério Público essa época, para dar a Nicolau,
pelo menos, um prêmio de consolação pela
sua rica imaginação que, até hoje, nos faz sorrir.
José Ewerton neto é autor de O ABC bem humorado de São Luís que, em sua terceira edição revista e ampliada , constará desta e outras histórias
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