segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A LINGUAGEM DE DEUS

artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal O estado do Maranhão, sábado


Deus existe ou não? Segundo li, numa revista,  menos de 20% da comunidade científica acredita em Deus. Igualmente,  é grande o número de pessoas  que se consideram ateus, justamente nos países onde é mais elevado o conhecimento técnico e científico ( em algumas nações chega a mais de 50%). De fato, temos que admitir que o exercício da fé se torne mais árduo  quando confrontado às bases científicas que traduzam algo do que já se sabe sobre o universo: sua grandiosidade, as leis físicas que o geraram, a infinita pequenez da raça humana, sua fragilidade diante da natureza e, principalmente, da natureza diante de um espaço-tempo avassalador.
                        Diante dessa questão, sabidamente complexa, as pessoas se manifestam, em resumo, de três formas: uma, a de crença absoluta, que pode ser por ignorância; a segunda, de descrença ou ateísmo que se pretende fundamentado  na ausência de provas captáveis pela ciência; e uma outra, a de indiferença, na qual se incluem os agnósticos.   Na prática, o  “não sei” dos agnósticos resume uma cômoda permanência em cima do muro sobre a questão que é como se dissessem como o mineiro que não quer se envolver: “Sua ausência veio preencher uma lacuna” ou “Sou ateu, graças a Deus!”.  Curiosamente, existe uma passagem do Novo Testamento que parece adequar-se àqueles que se confessam indiferentes. Na frase de Jesus Cristo: “Prefiro os muito quentes ou muito frios, porque os mornos, eu os vomitarei.”
                        Penso que qualquer ser humano cuja compreensão e orgulho do sentido da própria existência  tenha alguma validade para si um pouco além do ato banal de sobreviver, não pode se furtar a esta questão, apenas porque esta seja complexa ou insolúvel. Essa busca, certamente mais grandiosa do que a descoberta em si, perpassa uma tentativa de transcender a uma questão puramente metafísica para que ela se imponha como suporte de suas relações com os demais seres humanos e com seus valores existenciais. “A finalidade da existência humana não consiste apenas em viver, mas em encontrar um motivo para viver”, dizia Dostoiévski. Evidentemente, a tentativa de alcançar a solução do grande mistério “o que somos; de onde viemos, para onde vamos” está na raiz do significado maior de qualquer vida, que se pretenda digna disso.
                        Na minha adolescência li um livro que considero fundamental para o meu singelo entendimento e que se chama “A arquitetura do universo” do físico norte-americano Robert Jastrow. As páginas do livro não tratam de um possível embate teológico ou mesmo filosófico, tão costumeiros entre os cientistas modernos, mas da doação, para mim repentina, dos mistérios do universo  já conhecidos pela ciência em linguagem accessível para leigos, como eu. Nem precisaria, então, gostar  tanto de Física,  minha matéria curricular preferida, ou de Poesia (nos meus impulsos extra-escolares) para concluir que nenhuma ficção desenvolvida pelos melhores  autores do mundo (Cervantes, Proust ou Dostoiévski ) seria comparável à criação  desse personagem chamado aventura humana, ali descrita de forma espetacular: tão improvável, tão frágil e, ao mesmo tempo, tão misteriosa e – por que não? – divina.  Retiro do autor  em questão esta última frase de um de seus livros:
                        “Neste momento parece que a ciência nunca será capaz de erguer a cortina acerca do mistério da criação... O cientista escalou as montanhas da ignorância; vê-se prestes a conquistar o pico mais alto; à medida que se puxa para a rocha final é saudado por um bando de teólogos que estiveram sentados ali durante séculos.”
                        A partir da leitura desse livro, sempre que posso leio outros que tratam do tema da origem do Universo e que, virtualmente, descambam para uma possível explicação (não-explicação) da existência de Deus.  Desde livros com argumentação científica como o do cientista Richard Dawkins, Deus um delírio  que vocifera contra a a fé e a crença, até os livros que preferem debater o assunto com uma boa carga de bom-humor como o delicioso e pragmático  Explicando Deus numa corrida de táxi de Paul Arden. Com mínimo rigor científico Arden chega à conclusão de que todos os que ardorosamente debatem o assunto, religiosos x ateus, no fundo acreditam na mesma coisa, e o embate é apenas uma questão formal . O que os céticos chamam de força superior , os religiosos chamam de Deus. Ou seja, se   alguns preferem  dar um rosto a Deus, isso é uma mera questão lingüística. .
                        Antes que alguém pense que pretendo, no breve espaço desta crônica  colocar remotas luzes sobre o debate , adianto que o fim desta é menos pretensioso: apenas sugerir a leitura do livro de Francis Collins, A Linguagem de Deus, como perfeito complemento da curiosidade que qualquer um possa ter sobre a vida e seus mistérios. Cientista, como Dawkins, diretor do Projeto Genoma que trabalha com o que há de mais moderno no estudo do DNA, o código da vida, e um dos mais respeitados cientistas da Terra, Francis Collins se coloca a favor da crença em Deus, assumindo os riscos peculiares a quem, dentro de uma comunidade  que despreza qualquer argumento desprovido de provas concretas, argumenta a favor da fé sem perder de vista o conhecimento científico. Sem receio de se situar no limite da dúvida compara uma a uma as soluções trazidas pela ciência, contrapondo-as à possibilidade de um ser superior, deixando um rastro de fé e esperança que parte da dúvida, inclusive a notável improbabilidade da matéria ter se  formado baseando-se apenas nos princípios de física conhecidos.
                        Ao fim de sua leitura, independente de qualquer crença, ouso dizer, que haverá um notável adendo ao cabedal de qualquer  um,  em termos de discernimento e argumentação científica sobre o tema. No meu caso, além disso, a consolidação da solidificação de uma verdade já cristalizada há muito tempo: há muito maior grandeza humana em se acreditar em Deus que em não acreditar. Cristalizou-se a verdade que já desconfiava.  dúvida é essencial quando nem todos os caminhos levam a Deus, muito pelo contrário. A satisfação com a leitura de um livro que vai agradar tanto aos ateus quanto aos religiosos, no meu caso particular talvez tenha sido porque me trouxe uma confiança que já tinha e que independe de se acreditar ou não. A convicção não mais divina ou laica de que Quanto menos evidências houver, sempre haverá maior Há mais grandeza humana em se acreditar em Deus.
                                                                       ewerton.neto@hotmail.com

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