Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje,
sábado
“ Existe uma casca de banana por perto de toda grande tragédia”. Graham
Greene
Se existe
sempre uma casca de banana por trás de toda grande tragédia, em quantas cascas
de banana escorregou o país (pois essa tragédia é, sobretudo, brasileira) para se chegar a um epílogo tão cruel e
desolador como o que se abateu sobre a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do
Sul?
Entre tantas
não deveria estar o fato de,
coincidentemente, tal tragédia ter acontecido em um evento que tinha por
principal motivação, a alegria. Essa alegria propalada, esfuziante, incontida e, tantas
vezes obsessiva, que julgamos essencial e da qual tanto nos gabamos, como uma qualidade
invejável do caráter brasileiro. Os estudantes mortos estavam naquele ambiente
perigoso festejando a ‘alegria’; o conjunto de idiotas intitulados de banda musical usavam fogos de artifício
para melhor festejar a ‘alegria’. Ao mesmo tempo os empresários da casa se aproveitavam para
ficar ricos às custas da ‘alegria’ e os governantes, indiferentes como sempre a tudo, consentiam e nada preveniram porque apenas
permitiam a ‘alegria’.
A mesma
alegria que esteve presente também numa
outra boate, mineira, em 2001, quando em circunstâncias semelhantes, seis pessoas morreram. Poucos se lembram disso, como eu. Claro, não houve na ocasião as mesmas manifestações
generalizadas dos governantes, como agora, forçados a serem guindados, ao papel
que sempre deveriam exercer: de vigilantes do bem-estar e da vida daqueles que
os elegeram; a imprensa não deu destaque
equivalente, não houve clamor público, nem velas acesas, nem a mídia cobrou das
autoridades soluções para que jamais neste país houvesse outra tragédia
semelhante, como clamou no início da semana (mais de dez anos atrasada) a
presidente Dilma. Teria tal tragédia sido
tão rapidamente esquecida porque ‘apenas’
seis pessoas morreram? Quantas vidas,
então, são necessárias sucumbir neste país para que não se diluam nessa alegria
contagiante de um povo, tão alegremente irresponsável, que permanece cego diante
da indiferença dos representantes que escolhe, mais preocupados em usar o poder para, ao
invés ( como recentemente noticiado), aumentar seus próprios salários?
Nada foi tão
sintomático dessa desfaçatez em nome da continuidade da alegria do que a
atitude do governador do Rio Grande Sul, Tarso Genro,vociferando em altos brados e
exigindo punição rigorosa para os responsáveis pela tragédia. Punição rigorosa para
quem mesmo, cara- pálida? Ele, certamente, nunca leu na Bíblia o conselho
cristão de ‘jamais apontar o cisco para o olho do vizinho, quando o seu está
sujo’. Como disse um criminalista em
entrevista a William Waack, repórter da
Globo : “Antes de qualquer acusação, o governador deveria era pedir desculpas
ao povo, exigir uma investigação minuciosa das responsabilidades, não só de
empresários e músicos inconseqüentes, mas de todas as autoridades envolvidas. Em
outro país que se preze, o prefeito já
deveria ter sofrido impeachment, como aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em
2004” Ou seja, no epicentro da tragédia o Governador do Rio Grande do Sul não se peja em inaugurar e pisar em nova casca de banana, sugerindo que
235 vítimas podem não ter sido suficientes.
Mas o
Carnaval vem aí, o logotipo oficial da Copa já foi anunciado com muito estardalhaço,
o Grêmio Porto Alegrense acaba de vencer em Porto Alegre (tão perto do local da
tragédia!) um time do Equador provocando o delírio entusiasmado de sua torcida
e as notícias sobre as vítimas cada vez mais arrefecem no noticiário nacional, substituídas
pela alegria carnavalesca, essa sim, brasileiramente obrigatória, se propagando
de um canto a outro do país. 22 cidades do Rio Grande do Sul cancelaram seus carnavais
em respeito à memória dos mortos, mas a maioria não o fez provavelmente porque ‘respeitar’
o Carnaval deve ser mais importante.
Em nome dessa
‘alegria brasileira contagiante’ é necessário
esquecer, o mais rapidamente possível, os cadáveres, mas nem precisava tanto
empenho para isso porque, como dizia
Pablo Neruda em um de seus poemas: “Os ossos? Os ossos esquecem.”
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