Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
“ O infinito, na matemática, mal consegue disfarçar sua sina
de impostor... “, do livro Cidade Aritmética
O
ser humano não suporta a realidade, dizia Henry James e a ciência sabe. Os
sonhos, por exemplo, são artifícios que o cérebro humano utiliza durante o sono para rearranjar a
realidade, aliviando-o da pressão
cotidiana para adequar a mente para o dia seguinte. O que muita gente não atentou ainda é sobre
como as palavras se prestam para isso -
nem tanto por vontade própria, digamos assim.
Um
exemplo disso é palavra ‘fatalidade’,
que os brasileiros utilizam a seu bel prazer ,sempre que lhes convêm, de acordo
com a repercussão da tragédia.
Fatalidade foi o horror de Santa Maria – já esquecida, como também a morte de 4
pessoas por um trio elétrico durante o carnaval em Santos e, há coisa de duas
semanas, a morte de um rapaz boliviano
( também já esquecida) por um dos membros da Gaviões da Fiel: facção
da torcida do Coríntians , time de futebol que se gaba de ter com seu “bando de
loucos” a torcida mais fanática do Brasil.
Irresponsabilidade,
descaso e falta de respeito humano, foram termos pouco utilizados por aqueles
que, administradores da situação, preferem se socorrer da palavra fatalidade para esconder o quanto são
capazes de ser mesquinhos e covardes. Como o presidente do Coríntians que , ao invés de assumir a fatura que lhe cabia
no triste episódio preferiu recorrer da sentença que limitava a ação de seus
torcedores ( já aliviada a estas alturas
) como se a morte de um jovem nada significasse e o clube pouco tivesse a ver
com isso. Coube à CBF, tardiamente como sempre,
fazer o papel que caberia ao Coríntians
de promover um futuro jogo com
renda revertida para a família do rapaz cuja grande descaída, que lhe custou a
vida, foi a de não ter percebido que, do outro lado do estádio havia marginais
que se aprimoravam em se tornar “ um bando de loucos” num país em que a mídia ( capitaneada pela
Rede Globo cujo interesse comercial com o Coríntians passa do razoável ) concorre
para transformar insanidade em virtude.
‘Fatalidades’,
disse o presidente, assim como também disse outro, mais outro, enfim dezenas dirão na medida em
que a irresponsabilidade grasse mais rápida do que o respeito humano . A
palavra fatalidade – coitada! – se presta também para isso como, afinal, todas as palavras: para serem usurpadas ao sabor da capacidade
humana ( e brasileira em especial ) de escamotear a realidade.
2. Em conversa recente com uma amiga escritora ela
(um tanto decepcionada com o rumo metafísico que a discussão estava tomando ) disse-me o
que desde então me pareceu uma grande verdade: “Chego à conclusão de que os seres humanos ,
incapazes de saber sequer o que são e, ao mesmo tempo incapazes de admitir
isso, inventam palavras para solucionar momentaneamente suas dúvidas, a suprema
ignorância e insignificância que lhes é inerente. Tomo como exemplo prático, a
palavra infinito. Ora, alguém pode me explicar o que significa infinito? O que
é a palavra infinito mais do que uma tentativa – vã – de conceber o inexplicável?”
Tive de concordar com ela, ao mesmo tempo em que me lembrei das tantas palavras,
irmãs da “fatalidade”, que são costumeiramente corrompidas pelos humanos :
amor, eternidade, paixão, felicidade etc. Palavras que ninguém sabe definir
exatamente o que significam, mas a quem todos recorrem porque se prestam para
tudo.
Quanto
à palavra infinito, recordo que esta sempre me perturbou desde quando travei
conhecimento com a Matemática e queria apreender o que havia por trás de uma
fórmula que me dizia que o um dividido
por zero era igual a infinito. Confesso que dava tratos à bola para
entender como se poderia dividir algo
por nada e ainda encontrar como resultado o infinito. Anos mais tarde, meio que filosoficamente, cheguei à conclusão de que aplicada ao ser humano essa
seria uma fórmula salvadora e poética que traduziria apoiada na lógica -
forçada ou não - a medida do homem : ou seja, a vida de um ser humano pode se tornar infinita, a depender de como você a faz, mesmo
em seu próprio destino de acabar em nada.
Bem
ao contrário do que ostensivamente fazem a torto e a direito os espertalhões de
sempre, como o presidente do Coríntians. Pois, como
todo mundo sabe, nada existe de infinito em corromper palavras para se safar de suas responsabilidades.
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