sábado, 16 de março de 2013

FATALIDADES INFINITAS




Artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado



O infinito, na matemática, mal consegue disfarçar sua sina de impostor... “, do livro Cidade Aritmética

                O ser humano não suporta a realidade, dizia Henry James e a ciência sabe. Os sonhos, por exemplo, são artifícios que o cérebro humano  utiliza durante o sono para rearranjar a realidade,  aliviando-o da pressão cotidiana para adequar a mente para o dia seguinte.  O que muita gente não atentou ainda é sobre como as palavras se prestam  para isso - nem tanto por vontade própria, digamos assim.

                Um exemplo  disso é palavra ‘fatalidade’, que os brasileiros utilizam a seu bel prazer ,sempre que lhes convêm, de acordo com a repercussão  da tragédia. Fatalidade foi o horror de Santa Maria – já esquecida, como também a morte de 4 pessoas por um trio elétrico durante o carnaval em Santos e, há coisa de duas semanas,  a morte de um rapaz boliviano (  também já esquecida)  por um dos membros da Gaviões da Fiel: facção da torcida do Coríntians , time de futebol que se gaba de ter com seu “bando de loucos” a torcida mais fanática do Brasil.

     Irresponsabilidade, descaso e falta de respeito humano, foram termos pouco utilizados por aqueles que, administradores da situação, preferem se socorrer  da palavra fatalidade para esconder o quanto são capazes de ser mesquinhos e covardes. Como o presidente do Coríntians  que , ao invés de assumir a fatura que lhe cabia no triste episódio preferiu recorrer da sentença que limitava a ação de seus torcedores  ( já aliviada a estas alturas ) como se a morte de um jovem nada significasse e o clube pouco tivesse a ver com isso. Coube à CBF, tardiamente como sempre,  fazer o papel que caberia ao Coríntians  de promover  um futuro jogo com renda revertida para a família do rapaz cuja grande descaída, que lhe custou a vida,  foi a de não ter percebido  que, do outro lado do estádio havia marginais que se aprimoravam em se tornar “ um bando de loucos”  num país em que a mídia ( capitaneada pela Rede Globo cujo interesse comercial com o Coríntians passa do razoável ) concorre para transformar insanidade em virtude.
                                                     

                ‘Fatalidades’, disse o presidente, assim como também disse outro,  mais outro, enfim dezenas dirão na medida em que a irresponsabilidade grasse mais rápida do que o respeito humano . A palavra fatalidade – coitada! – se presta  também para isso como, afinal,  todas as palavras:  para serem usurpadas ao sabor da capacidade humana  ( e brasileira em especial )  de escamotear  a realidade.


                2.  Em conversa recente com uma amiga escritora ela  (um tanto  decepcionada com o rumo metafísico  que a discussão estava tomando ) disse-me o que desde então me pareceu uma grande verdade:  “Chego à conclusão de que os seres humanos , incapazes de saber sequer o que são e, ao mesmo tempo incapazes de admitir isso, inventam palavras para solucionar momentaneamente suas dúvidas, a suprema ignorância e insignificância que lhes é inerente. Tomo como exemplo prático, a palavra infinito. Ora, alguém pode me explicar o que significa infinito? O que é a palavra infinito mais do que uma tentativa – vã – de conceber  o inexplicável?”

    Tive de concordar com ela, ao  mesmo tempo em que me lembrei das tantas palavras, irmãs da “fatalidade”, que são costumeiramente corrompidas pelos humanos : amor, eternidade, paixão, felicidade etc. Palavras que ninguém sabe definir exatamente o que significam, mas a quem todos recorrem porque se prestam para tudo.
                                                                         
                Quanto à palavra  infinito, recordo que esta  sempre me perturbou desde quando travei conhecimento com a Matemática e queria apreender o que havia por trás de uma fórmula que me dizia que o um dividido  por zero era igual a infinito. Confesso que dava tratos à bola para entender  como se poderia dividir algo por nada e ainda encontrar como resultado o infinito. Anos mais tarde, meio  que filosoficamente, cheguei  à  conclusão de que aplicada ao ser humano essa seria uma fórmula salvadora e poética que traduziria apoiada na lógica - forçada ou não - a medida do homem : ou seja,  a vida de um ser humano pode se tornar  infinita, a depender de como você a faz, mesmo  em seu próprio destino de acabar em nada.

                Bem ao contrário do que ostensivamente fazem a torto e a direito os espertalhões de sempre, como o presidente do Coríntians.  Pois,  como todo mundo sabe, nada existe de infinito em corromper palavras para se safar  de suas responsabilidades.
                                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com
                                                                                              http://www.joseewertonneto.blogspot.com



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