sábado, 17 de maio de 2014

JOSÉ CHAGAS, UM DOS MAIORES



artigo publicado na seção hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Poucos são os escritores que, com igual talento, alternam poesia e humor naquilo que escrevem. Não me refiro ao poema satírico, cujas manifestações talentosas  acontecem vez por outra, no Brasil, desde Gregório de Matos, passando,  hoje, pelo dom de  Luís Augusto Cassas, por exemplo, entre outros etc. Refiro-me, porém, à  alternância  segundo o gênero adotado. Grandes escritores de humor atuais são  Luís Fernando Veríssimo, Millor Fernandes ( morto há dois anos),  Mário Prata etc. , mas não me consta que algum deles tenha produzido algo relevante em termos de poesia.

            Pois, José Chagas, poeta e escritor, paraibano de nascença e maranhense por opção, falecido esta semana foi um desses raros exemplos da prática dessa dualidade. O que me causa, a propósito, o impulso incoercível de uma insinuação, quiçá provocativa, aos especialistas da literatura: não seria esse humor, nunca escrachado e sempre sutil desses escritores também uma forma de poesia? Vá lá, o uso de uma metáfora de superfície sarcástica que causa o riso ao denunciar as mazelas do cotidiano, mas que não  consegue disfarçar o âmago sentimental e extremamente generoso desses raros artistas. A revolta contra os absurdos da sociedade e de seus personagens, no caso,  diluída no riso provocado,  tendo como  origem a solidariedade humana nessa intenção  de denunciar o absurdo. No seu caso, executado por alguém incapaz de clamar se excedendo no óbvio,  como estaria ao alcance de  qualquer um, menos especial.  

            Diria, contudo,  que essas são questões para serem resolvidas por especialistas e que, por questionáveis   no rigor da teoria literária, não cabem no bojo desta intenção de singela homenagem a um dos maiores poetas brasileiros de século e  a quem me coube, um dia, cerca de três anos atrás,  substituir nas páginas deste jornal. Fui chamado então por Ribamar Correia  devido à  impossibilidade do mestre escritor causada pela doença, quando, segundo ele mesmo me disse quando fui procura-lo a seguir, a velhice o tornava incapaz de concatenar as ideias com a exigência que o texto requeria, embora me parecesse ainda bastante lúcido para isso. Foi  quando despontou mais uma vez, porque já a conhecia,  a sua notável e singular generosidade de que falei acima: disse-me  o poeta palavras de incentivo e estímulo do mesmo teor das que escrevera, a meu pedido,   na orelha de minha novela  A Ânsia do Prazer, e da mesma natureza daquela que fez com que eu reenviasse para novos concursos o livro de poesias Cidade Aritmética que acabou sendo premiado em 1996. Na primeira ocasião em 1993, quando ficou em segundo lugar com o nome de Entre Números e Pássaros, ele fizera parte do júri  e, posteriormente, fez questão de elogiar o conteúdo do livro praticamente intimando-me  a continuar a obra, o que me impediu de desistir de tentar publicá-lo,  quando já havia decidido me dedicar somente à  ficção.

            Eis como talvez tenha chegado, neste ponto do texto,  meio que atabalhoadamente, ao vértice do triângulo que pretendia  evocar: Poesia, Humor e Generosidade, no seu caso, em doses elevadas pelo talento. Generosidade esta  já tão destacada pelos que deram depoimento  na sua despedida mas que nunca é demais lembrar, dado que essa simbiose entre caráter e gênio, entre homem e sua obra, nem sempre é pródiga  e, nos dias que seguem (de vaidade e exaltação a si mesmo),  infelizmente tornou-se  cada vez mais rara.  Essa simbiose que o fez cantar São Luís como um de seus melhores filhos e tornar indissolúveis os laços de amor que estabeleceu com a cidade e seu povo, ao exaltá-la  em versos eternos. 

            Versos dos quais uma de seus mais bem acabados frutos O PÁSSARO SEM VÔO, entre tantos, foi escolhido por José Neumanne (amigo colunista de o Estado de São Paulo,  paraibano , escritor e também poeta ) para fazer parte de sua antologia Os cem melhores poetas brasileiras do século , quando me enviou um exemplar e comentou: “ Veja  só, na página 240  o que ocorre quando  o talento poético de um  paraibano se une ao de um  maranhense, em uma só pessoa” ) Ei-lo, para quem ainda não conhece:



                                                       




            “O pássaro sem voo,  solto na sala,
            ficou sendo um brinquedo de criança.
            Que lhe importa a manhã?
            Por que   saudá-la se a cantiga desperta
            a mão que o alcança?
            De que lhe vale o canto? O canto é apenas
            alegria de estranhos.
            Não é tudo. O canto é inútil como são as penas.
            O pássaro sem voo,  cantando, é mudo”.

                                                                                              ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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