artigo publicado na seção hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Poucos são os escritores que, com igual talento, alternam
poesia e humor naquilo que escrevem. Não me refiro ao poema satírico, cujas
manifestações talentosas acontecem vez
por outra, no Brasil, desde Gregório de Matos, passando, hoje, pelo dom de Luís Augusto Cassas, por exemplo, entre outros
etc. Refiro-me, porém, à alternância segundo o gênero adotado. Grandes escritores
de humor atuais são Luís Fernando
Veríssimo, Millor Fernandes ( morto há dois anos), Mário Prata etc. , mas não me consta que algum
deles tenha produzido algo relevante em termos de poesia.
Pois, José
Chagas, poeta e escritor, paraibano de nascença e maranhense por opção,
falecido esta semana foi um desses raros exemplos da prática dessa dualidade. O
que me causa, a propósito, o impulso incoercível de uma insinuação, quiçá
provocativa, aos especialistas da literatura: não seria esse humor, nunca
escrachado e sempre sutil desses escritores também uma forma de poesia? Vá lá,
o uso de uma metáfora de superfície sarcástica que causa o riso ao denunciar as
mazelas do cotidiano, mas que não consegue disfarçar o âmago sentimental e extremamente
generoso desses raros artistas. A revolta contra os absurdos da sociedade e de
seus personagens, no caso, diluída no
riso provocado, tendo como origem a solidariedade humana nessa intenção de denunciar o absurdo. No seu caso, executado
por alguém incapaz de clamar se excedendo no óbvio, como estaria ao alcance de qualquer um, menos especial.
Diria,
contudo, que essas são questões para
serem resolvidas por especialistas e que, por questionáveis no
rigor da teoria literária, não cabem no bojo desta intenção de singela
homenagem a um dos maiores poetas brasileiros de século e a quem me coube, um dia, cerca de três anos atrás, substituir nas páginas deste jornal. Fui
chamado então por Ribamar Correia devido
à impossibilidade do mestre escritor causada
pela doença, quando, segundo ele mesmo me disse quando fui procura-lo a seguir,
a velhice o tornava incapaz de concatenar as ideias com a exigência que o texto
requeria, embora me parecesse ainda bastante lúcido para isso. Foi quando despontou mais uma vez, porque já a
conhecia, a sua notável e singular generosidade
de que falei acima: disse-me o poeta palavras
de incentivo e estímulo do mesmo teor das que escrevera, a meu pedido, na orelha de minha novela A Ânsia
do Prazer, e da mesma natureza daquela que fez com que eu reenviasse para novos
concursos o livro de poesias Cidade
Aritmética que acabou sendo premiado em 1996. Na primeira ocasião em 1993,
quando ficou em segundo lugar com o nome de Entre
Números e Pássaros, ele fizera parte do júri e, posteriormente, fez questão de elogiar o
conteúdo do livro praticamente intimando-me a continuar a obra, o que me impediu de
desistir de tentar publicá-lo, quando já
havia decidido me dedicar somente à
ficção.
Eis como talvez
tenha chegado, neste ponto do texto, meio que atabalhoadamente, ao vértice do
triângulo que pretendia evocar: Poesia,
Humor e Generosidade, no seu caso, em doses elevadas pelo talento. Generosidade
esta já tão destacada pelos que deram
depoimento na sua despedida mas que
nunca é demais lembrar, dado que essa simbiose entre caráter e gênio, entre
homem e sua obra, nem sempre é pródiga e, nos dias que seguem (de vaidade e exaltação
a si mesmo), infelizmente tornou-se cada vez mais rara. Essa simbiose que o fez cantar São Luís como
um de seus melhores filhos e tornar indissolúveis os laços de amor que
estabeleceu com a cidade e seu povo, ao exaltá-la em versos eternos.
Versos dos
quais uma de seus mais bem acabados frutos O PÁSSARO SEM VÔO, entre tantos, foi
escolhido por José Neumanne (amigo colunista de o Estado de São Paulo, paraibano , escritor e também poeta ) para
fazer parte de sua antologia Os cem melhores
poetas brasileiras do século , quando me enviou um exemplar e comentou: “ Veja
só, na página 240 o que ocorre quando o talento poético de um paraibano se une ao de um maranhense, em uma só pessoa” ) Ei-lo, para
quem ainda não conhece:
“O pássaro sem voo, solto na sala,
ficou sendo um brinquedo de criança.
Que lhe importa a manhã?
Por que saudá-la se a cantiga desperta
a mão que o alcança?
De que lhe vale o canto? O canto é apenas
alegria de estranhos.
Não é tudo. O canto é inútil como são as penas.
O pássaro sem voo,
cantando, é mudo”.
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