sábado, 31 de maio de 2014

MANIFESTAÇÕES, APORRINHAÇÕES, MANIFESTAÇÕES, APORRINHAÇÕES...ETC




artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Tenho a impressão de que a primeira manifestação de um ser humano digna desse nome se dá através do seu berro ao chegar, após a palmada do médico. Seria de revolta ou de protesto? As duas coisas, vá lá, afinal de contas, na barriga da mãe tudo era melhor, mais quentinho e mais calmo. Há de se convir que a visão parcial e fantasmagórica daquele sujeito lhe agredindo (o médico), todo de branco, com aquelas luvas e aquele lenço cobrindo a boca não é um prenúncio muito alvissareiro do que virá pela frente, ou seja, a vida. Donde se conclui que qualquer  manifestação contra aquilo que nos aporrinha  não passa de uma rotina da existência, tão natural como respirar .



                                                     




            A merda é que essa mesma  vida vai,  desde cedo, mostrando que protestar quando se está aporrinhado é bom, mas nem sempre resolve. Aos poucos, os berros já não trazem em contrapartida o carinho da mãe, e os batimentos de pernas contra o chão, em protesto contra a tabuada, agora provocam palmadas dolorosas. É quando o petiz é possuído, pela primeira vez, de algo que um dia lhe dirão que é consciência: “Nem  adianta mais mostrar que eu tô aporrinhado, porque  eles sempre parecem estar mais ainda do que eu. Precisarei  ter mais cuidado com a próxima.” E assim, aprende aquilo que  deveria ser a primeira lei das manifestações, ou dos protestos, como queiram:

            “Quando quiser se manifestar, lembre-se de não aporrinhar seu vizinho. Ele poderá estar ainda mais aporrinhado do que você”.

            Donde deve ser por isso que um dia surgiram leis, não é verdade? Para regular os cruzamentos das tantas aporrinhações de todo mundo partindo do que deveria ser o postulado básico de qualquer manifestação: “Todo ser humano tem tudo para estar quase sempre aporrinhado com algo, afinal de contas, a vida não passa de uma belíssima porra. Assim foi no seu surgimento, assim será no fim”. Portanto, a velha e boa regra da justiça que diz que seu direito termina quando começa o do outro, nada mais é que, a aporrinhação de cada um legitimada pelo direito. Simples, não?

            2. Mas não parece ser isso o que ocorre no Brasil, quando se convencionou agir, nas manifestações, com a suposição de que se alguém  der o berro primeiro, sua aporrinhação passa a  valer mais do que a do outro.  E haja manifestação: de professor, de aluno, de doutor, de doente, de sem-terra, de com terra, de branco, de preto, de índio e de sarará. Semana passada presos fizeram uma manifestação de protesto em Pedrinhas porque queriam tomar banho de sol em conjunto. Só faltou exigirem uma praia e Bruna Marquezine, de biquíni, para enfeitar o sol. Quase no mesmo dia, policiais em algum lugar do país ameaçaram, por sua vez, iniciar protestos por melhores salários. Como as manifestações tornam polícia e bandido menos indistinguíveis do que já parece, vai chegar o dia em que marginais e policiais se revezarão em turnos, para fazer protestos.




                                                                




            Quanto às causas das reivindicações, as razões se multiplicaram tanto que, ao fim, não existe mais uma razão definida (e será que precisa?). Qualquer coisa serve como motivação, desde um buraco de rua até um buraco no fundilho da calça. Um amigo meu, que mora no subúrbio, não conseguiu um dia chegar em casa porque um vizinho, que é líder comunitário, conclamou a rapaziada e resolveu fazer uma manifestação, cuja causa jamais foi esclarecida. Perguntado por um repórter mais tarde, ele respondeu: “Protesto contra o atual estado de coisas”. E pronto, estava justificado porque, segundo meu amigo, levava tanto chifre da mulher que o estado das ‘coisas’ dela passou a ser, de fato, lamentável.

            3. Outro sintoma muito peculiar da manifestação brasileira é seu  endereçamento. Explico: deveria ser normal que um trabalhador aporrinhado por seu chefe tentasse em represália, durante sua manifestação, pelo menos aporrinhá-lo. Assim agem os operários metalúrgicos em greve, nas fábricas do mundo todo, diminuindo o lucro dos patrões, mas abstendo-se de obstruir ruas e viadutos. Nas manifestações brasileiras é diferente: aporrinha-se, principalmente, quem nada tem a ver com isso. Se a manifestação é contra os corruptos, por exemplo, nada de procura-los, em suas tocas, para cobrá-los devidamente. Ao contrário estes continuam inatingíveis, assistindo  na cobertura de suas mansões, entre uma dose de uísque e outra, as manifestações na tevê como se estivessem vendo uma novela engraçadíssima.  Enquanto isso, os aporrinhados tratam de aporrinhar idosos, crianças, doentes e mulheres grávidas.


                                                           




             É a lei da Bala Perdida das Manifestações: “No Brasil, até as balas perdidas, quando se manifestam, tem o endereçamento errado. Preferem se alojar nos pobres ao invés de aporrinharem os corruptos.”
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com                                                         http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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