artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
O que, afinal de contas, existe entre o indivíduo e a palavra
que o nomeia? E esse nome, pertence a essa pessoa, ou o inverso é mais verdadeiro?
E a partir de quando e até quando?
São perguntas,
cuja solução até agora ninguém, mesmo os especialistas, ousaram decifrar ou
pesquisar. Por isso mesmo, não convêm cavoucar o vão misterioso dessa interface
que evoca questões jamais solucionáveis,
do tipo: Que teria sido do Rei Pelé, sem o apelido, que o consagrou? Será que teria
se tornado rei do futebol houvesse adotado para ídolo o nome próprio, Edson Arantes do Nascimento,
mais apropriado, aliás, para síndico de condomínio ou gerente de supermercado? Suas jogadas de craque
reverberariam na voz dos locutores com a
mesma empatia de quando gritaram “Gol de Pelé”? Como todo mundo sabe a questão do nome na
trajetória do maior jogador de todos os tempos foi de tal maneira crucial que o
próprio Edson Arantes do Nascimento logo
se distinguiu do ídolo Pelé, por vontade própria a ponto de se referir ao mesmo
como se fosse outro. E assim tantos,
etc. etc
Sendo essa,
a meu ver, a problemática fundamental inerente ao ato de nomear um indivíduo.
Antes mesmo de se dar um nome a alguém já existe no âmago dessa procura, a
questão do outro, a busca de alguém especial, cujo nome ressoe capaz de incorporar ao
vindouro uma identidade mais nobre que a
do destino que se lhe anuncia. Nas
classes desfavorecidas deste Brasil, então,
o costume de doar a um filho um nome
original e inventado, perpassa toda a
esperança de um título diferenciado, capaz de distingui-lo do ambiente que o
cerca. (Como se fosse um título de nobreza jamais visto). Por isso, sempre
achei lamentável a prática de se ridicularizar
esse costume popular , especialmente nos ambientes intelectualizados e universitários,
enquanto a criação de neologismos, na literatura, é supervalorizada . Ora, por
que o ato de inventar um nome próprio é sempre piada de segunda, e os
neologismos de Manoel de Barros ou Guimarães Rosa são considerados, sempre, a
quintessência da arte?
Poucas
vezes, na ficção ou na realidade, essa ‘angústia’ do nome foi exposta de forma
tão contundente quanto na reportagem do escritor e publicitário Nelin Vieira, divulgado
na imprensa maranhense anos atrás. Nelin Vieira, cujo faro jornalístico para
detectar preciosidades do comportamento humano que vão do tragicômico ao
bizarro em questão de dois minutos ou três parágrafos, descobriu em sua cidade,
São Mateus, um personagem que queria se chamar e já se intitulava Hidramix
Rios-Raios-Paraíso Di-Forças Hahlmeixeixas Hinfinito. Ele, o personagem em
questão, borracheiro, humilde de formação, chamado João de Deus da Silva, de
repente, passou a abominar o nome de batismo e quis cognominar-se HIdramix, etc.
e tal, passando – que coincidência! - necessariamente
por infinito, palavra cuja presença, em seu
nome de fantasia, por si já é uma
insinuação, um significado e um clamor.
Precisava que João de Deus explicasse a causa? Se precisasse, a reportagem, ( cujo assunto mereceu, em
janeiro de 2001 crônica do escritor José Sarney a respeito publicada no jornal A Folha de São Paulo) exibia as
palavras de João de Deus/Hidramix mostrando a motivação pré-anunciada: “Pretendi
sair do anonimato, tornar-me um ser diferente, um novo alguém , fugir desse
João de Deus da Silva que todo mundo é nesta cidade”
.
Muito mais
poderia ser dito e investigado a respeito desse tema, houvesse espaço nesta
crônica. Para os que querem conhecer mais, não só de Hidramix (ele existe e é
real) como desse portentoso painel de
seres especiais, exposto no livro O
centésimo emprego de seu Lelé Bristol ,
Nelin Vieira estará relançando o
seu interessante livro - que expõe a face desfocada de seres comuns, a meio
caminho entre a realidade e o sonho para destacar o que possam ter de mais
humano e ao mesmo tempo sobrenatural e perene
- em São Mateus, dia 29 deste. Lá
estarão todos os personagens dessa imensa galeria: Hidramix, Chico Fumaça, Lelé
Bristol etc. Por sua vez, para os que se mostram curiosos com a problemática do
tema levantado acima, à guisa de investigação, aponto o trabalho deste cronista
em seu trabalho de Pós-Graduação em jornalismo cultural, 2008, A invenção de nomes próprios: algo mais do
que um mero costume. Será arte?, em http://www.cambiassu.ufma.br.
Portanto, aos
que tiverem o privilégio de visitarem São
Mateus nesse dia festivo, além do acesso ao livro, de quebra, a possível
solução de uma das questões: Terá João de Deus da Silva encontrado seu
Hidramix, ou ainda estará à procura?
ewerton.neto@hotmail.com
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