Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
O PESO (NUNCA LEVIANO) DAS PALAVRAS
As palavras que, como se sabe, são seres vivos (no dizer do
escritor Vítor Hugo ), talvez por causa disso, têm peso. Algumas são muito densas, outras nem tanto e isso varia, nem
sempre dependendo do seu significado, mas conforme a circunstância e o local. O
que, aliás, está de acordo com o capítulo de Física que trata disso.
Qual, por
exemplo, o peso da palavra Leviana?
Seguramente, não é tão leve quanto a sua própria sonoridade e origem etimológica
sugere. A julgar pelas últimas eleições deve pesar muito mais do que obras
realizadas, argumentos estatísticos, explicações econômicas, ou acusações de
corrupção, a partir da conclusão a que chegaram especialistas políticos quando
concluíram que a palavra Leviana saída da boca de Aécio Neves, no local errado
e em hora errada, lhe custou milhões de votos do eleitorado feminino provocando uma nova
onda pró-Dilma num momento em que seu vigor eleitoral se encontrava arrefecido. Explicação: depois desse
xingamento, intencional ou não, milhares
de mulheres mudaram de intenção de voto por se sentirem ofendidas, em solidariedade à condição feminina da
presidente do Brasil.
Será? Dá
para dimensionar seu alcance? Evidente que não e foge do propósito desta crônica avaliar em que medida
isso influenciou ou não. Antes, o
propósito aqui é o de lembrar o que sempre
anda muito esquecido - especialmente nas redes sociais onde as palavras são
atropeladas pelos urros : ou seja, que os
pensamentos, hoje em dia, não estão
tratando bem as palavras, talvez por estarem, quase sempre, num nível inferior
a elas. As palavras têm peso sim, sempre tiveram e é preciso muito cuidado com isso porque se maltratadas ou usadas fora de hora e
a reboque de pensamentos que as tratam como cavalos puxados por cabrestos, elas
se vingam, se impõem e... pesam.
Senão, voltemos à
palavra Leviana. Do dicionário Larousse: 1. Que procede ou julga
precipitadamente sem refletir, imprudente 2. Sem seriedade, que procede
repreensivelmente 3. Leve.
Portanto, eliminando-se
a terceira conotação, hoje totalmente em desuso, vê-se que existe claramente
entre os dois primeiros significados uma diferença de peso, quanto se trata de pender
mais para a ofensa ou não. A segunda hipótese é mais densa nesse sentido: ao acusar uma mulher de leviana alguém a estará acusando
de não ser séria, ou de uma mulher que age de forma repreensível. Ora, se alguém
a classifica de algo assim poderia estar chamando-a de puta, ou quase puta, de
vagabunda ou quase isso, não?
Torna-se
bastante sintomática, então, a questão do peso relativo se lembrarmos que a palavra Leviano, aplicada ao sexo masculino, parece não ter uma
conotação tão arrasadora. Talvez porque acusar uma mulher de agir de forma
repreensível a aproxime perigosamente do pior insulto que pode desqualificar uma
pessoa do sexo feminino, que é o de ser chamada de puta. Todas as mulheres com
quem comentei tal assunto, inclusive as que não haviam se dado conta, acharam
profundamente lamentável a pronunciação de Aécio Neves, ao qual se aderiu,
perigosamente, sua fama de conquistador de atrizes da Globo, aliadas a especulações perfidamente
alimentadas pelas redes sociais em torno de uma possível conduta amoral
.
Guardo a
impressão de que Aécio não se deu conta do alcance do erro que estava
cometendo, ao adotar o deslize muito comum, hoje em dia, de não atentar, para o
peso que têm as palavras. Ele simplesmente não se deu conta, por não ter vivência
popular, com outra implicação que se refere aos fatores que podem influenciar esse peso, como foi sugerido acima: a ambiência, o local
e as circunstâncias. Ora, no meio social
frequentado por ele, chamar alguém de leviano talvez não ofenda tanto, porque as
pessoas desse ambiente, de poder aquisitivo mais elevado, interpretam a palavra em questão aproximando-se de sua primeira
interpretação, porém quando se vai em
direção às classes menos favorecidas o Leviana soa progressivamente mais
ofensivo . Ao perigo de não se saber o peso das palavras soma-se mais um; o de
não conhecer o poder de sua relatividade.
Complicado? Nem
tanto, se as pessoas lessem mais, cada vez mais e procurassem intuir melhor as
palavras, para poder, em contrapartida, seduzi-las com empatia.
Se as
tratássemos bem não se vingariam jamais de nós, não é mesmo Aécio? Antes de
chamar a uma mulher de Leviana da próxima vez (seja ela presidente ou não,
presidenta ou não ) é mister que, na pressa do pensamento, você não olvide jamais
as palavras. Incapazes de correrem como os pensamentos, elas não têm tanta
pressa assim, mas têm peso. Ainda que, curiosamente, flutuem.
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