artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Nem tudo do Carnaval atual pertence ao Carnaval (como
concebido nos seus primórdios). Por
comodidade, chamaremos de modernidade tudo aquilo que sucedeu no Carnaval tradicional
de uns trinta anos para cá.
1.Camisinha.
Eis um traço da modernidade. A distribuição gratuita de camisinhas por órgãos oficiais
da Administração Pública tem a pretensão de ser uma ação em prol da segurança,
mas será que na prática funciona assim? Sei não, mas tenho a impressão de que, como tudo que acontece no
Carnaval após o décimo copo, isso acaba funcionando
muito mais como uma propaganda da disponibilidade do sexo. Ou seja, da urgência
de praticá-lo antes que o carnaval acabe, mais ou menos como se houvesse uma
ordem implícita do Governo e das Instituições ( só para Codó foram enviadas 25
000 unidades) : “Trepem!, bando de tarados inconsequentes! Aproveitem, tá aqui
a camisinha. Podem se esbaldar!”
É fácil
imaginar que alguém, cuja única finalidade no Carnaval seja apenas ver o que se
passa, ao receber de graça uma camisinha se sinta impelido a procurar um
parceiro(a) para o sexo, por perceber que isso é parte quase obrigatória do
ambiente a que se dispôs participar.
Ao
receber uma dádiva dessas é perfeitamente natural que pense: “Bem, quem sai pra
chuva é pra se molhar, não vim pra isso, mas já que estão dando camisinha de
graça vamos topar” (ou trepar, como queiram).
2.Rei Momo.
Essa é uma figura dos carnavais das antigas. Sabe-se lá como resistiu à
modernidade, mas, claro, não se fazem
mais Reis Momos como antigamente. Deveriam continuar vastos e rotundos,
exibindo o mesmo riso e a mesma quilometragem
de banhas debaixo de uma coroa de segunda na cabeça, mas já surgiram Reis Momos
de diversas categorias e pesos, tão magros como os tempos que correm. A
novidade mais recente é que agora se pode ganhar até com 100 kgs de massa magra
(?) e os derrotados saem no tapa.
Dá pra
acreditar? Pois isso aconteceu aqui mesmo, em São Luís. Por que será hein? Uma
explicação óbvia é o grau de selvageria e violência que impera no Brasil de
hoje e de Dilma. Disputa-se tudo a pau e pedra, seja no trânsito, nas escolas e,
agora, até no carnaval. E, pelo visto, tanta violência sobra até para disputar
coisa tão esdrúxula que é a de ser rei
por quatro dias. Ou seja, nos dias que correm em que se almeja visibilidade a
qualquer custo, sobra até para se frustrar por não ser eleito bobo da corte.
3.Alegria e Máscara. Nos tempos
carnavalescos essas duas sempre andaram juntas ou se confundiram. Se “felicidade
não se compra” (como no filme de Frank Kapra), alegria bem menos, daí que, no
Carnaval, muitas vezes usa-se uma para socorrer a outra e vice-versa. Uma das
máscaras da alegria carnavalesca sempre reclamada parece ser a ajuda do Estado
para fomentar a ‘explosão’ de alegria. Ora, sendo inata a disposição
carnavalesca de um povo e, consequentemente, a sua alegria porque deveria esta carecer
tanto do apoio governamental? Por que não de empresas e instituições privadas
que se encarregariam de patrocinar e
usufruir de manancial tão inesgotável de alegria?
Nada foi
mais lamentado este ano, porém, que a impossibilidade de se usar máscaras com o rosto de Nestor Cerveró. Este, transformado
pelos dons pessoais e pela própria aparência na face mais abjeta e repulsiva de
uma máscara viva, teve a ousadia de buscar na justiça apoio para proibir o povo
de se divertir com a sua máscara, defendendo assim a sua suposta “dignidade”. Como se lhe houvesse sobrado alguma no seu
rosto original, que já não existe. Mais uma vez a justiça e as leis se põem do
lado de corruptos, impedindo a única vingança possível para uma população sempre
eternamente roubada: de fazer justiça com as próprias mãos (ou o próprio rosto),
no caso, a única que lhes restou: vingar-se de bom humor contra quem lhe prejudicou,
achincalhando lhe com ironia, mas, apesar de tudo, com alegria. Talvez isso
também se chame modernidade: a máscara de um malfeitor, sobrepondo-se à alegria de todo um povo.
4.Fantasias. Um folião carioca amigo
meu, inveterado carnavalesco, revoltado com a falta de água, energia e
segurança, e com outras mazelas insanáveis deste país, finalmente
escolheu a fantasia com que estará desfilando a partir de amanhã. Sairá
travestido de BALA PERDIDA. Explicação: sem rumo, ninguém sabe de onde veio nem
para onde vai, inidentificável para a Polícia, virado da peste, e doido para consumir e ser consumido por quem
lhe der guarida. ‘Azar de quem’, diz ele.
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