sábado, 14 de fevereiro de 2015

CARNAVALESCAS




artigo publicado na seção Hoje é dia de...Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado

Nem tudo do Carnaval atual pertence ao Carnaval (como concebido nos seus  primórdios). Por comodidade, chamaremos de modernidade tudo aquilo que sucedeu no Carnaval tradicional de uns trinta anos para cá.





                                                







            1.Camisinha. Eis um traço da modernidade. A distribuição gratuita de camisinhas por órgãos oficiais da Administração Pública tem a pretensão de ser uma ação em prol da segurança, mas será que na prática funciona assim? Sei não, mas tenho a  impressão de que, como tudo que acontece no Carnaval após o décimo copo,  isso acaba funcionando muito mais como uma propaganda da disponibilidade do sexo. Ou seja, da urgência de praticá-lo antes que o carnaval acabe, mais ou menos como se houvesse uma ordem implícita do Governo e das Instituições ( só para Codó foram enviadas 25 000 unidades) : “Trepem!, bando de tarados inconsequentes! Aproveitem, tá aqui a camisinha. Podem se esbaldar!”
            É fácil imaginar que alguém, cuja única finalidade no Carnaval seja apenas ver o que se passa, ao receber de graça uma camisinha se sinta impelido a procurar um parceiro(a) para o sexo, por perceber que isso é parte quase obrigatória do ambiente  a que se dispôs participar. 




                                                 






Ao receber uma dádiva dessas é perfeitamente natural que pense: “Bem, quem sai pra chuva é pra se molhar, não vim pra isso, mas já que estão dando camisinha de graça vamos topar” (ou trepar, como queiram).  

            2.Rei Momo. Essa é uma figura dos carnavais das antigas. Sabe-se lá como resistiu à modernidade, mas, claro,  não se fazem mais Reis Momos como antigamente. Deveriam continuar vastos e rotundos, exibindo o mesmo riso  e a mesma quilometragem de banhas debaixo de uma coroa de segunda na cabeça, mas já surgiram Reis Momos de diversas categorias e pesos, tão magros como os tempos que correm. A novidade mais recente é que agora se pode ganhar até com 100 kgs de massa magra (?) e os derrotados saem no  tapa.




                                             





            Dá pra acreditar? Pois isso aconteceu aqui mesmo, em São Luís. Por que será hein? Uma explicação óbvia é o grau de selvageria e violência que impera no Brasil de hoje e de Dilma. Disputa-se tudo a pau e pedra, seja no trânsito, nas escolas e, agora, até no carnaval. E, pelo visto, tanta violência sobra até para disputar coisa tão esdrúxula que  é a de ser rei por quatro dias. Ou seja, nos dias que correm em que se almeja visibilidade a qualquer custo, sobra até para se frustrar por não ser  eleito bobo da corte.

                        3.Alegria e Máscara. Nos tempos carnavalescos essas duas sempre andaram juntas ou se confundiram. Se “felicidade não se compra” (como no filme de Frank Kapra), alegria bem menos, daí que, no Carnaval, muitas vezes usa-se uma para socorrer a outra e vice-versa. Uma das máscaras da alegria carnavalesca sempre reclamada parece ser a ajuda do Estado para fomentar a ‘explosão’ de alegria. Ora, sendo inata a disposição carnavalesca de um povo e, consequentemente, a sua alegria porque deveria esta carecer tanto do apoio governamental? Por que não de empresas e instituições privadas que se encarregariam de patrocinar  e usufruir de manancial tão inesgotável de alegria?

                                               





            Nada foi mais lamentado este ano, porém, que a impossibilidade de se usar  máscaras com o rosto de Nestor Cerveró. Este, transformado pelos dons pessoais e pela própria aparência na face mais abjeta e repulsiva de uma máscara viva, teve a ousadia de buscar na justiça apoio para proibir o povo de se divertir com a sua máscara, defendendo assim a sua suposta “dignidade”.  Como se lhe houvesse sobrado alguma no seu rosto original, que já não existe. Mais uma vez a justiça e as leis se põem do lado de corruptos, impedindo a única vingança possível para uma população sempre eternamente roubada: de fazer justiça com as próprias mãos (ou o próprio rosto), no caso, a única que lhes restou: vingar-se de bom humor contra quem lhe prejudicou, achincalhando lhe com ironia, mas, apesar de tudo, com alegria. Talvez isso também se chame  modernidade:  a máscara de um malfeitor, sobrepondo-se  à alegria de todo um povo.  

            4.Fantasias. Um folião carioca amigo meu, inveterado carnavalesco, revoltado com a falta de água, energia e segurança,  e  com outras mazelas insanáveis deste país, finalmente escolheu a fantasia com que estará desfilando a partir de amanhã. Sairá travestido de BALA PERDIDA. Explicação: sem rumo, ninguém sabe de onde veio nem para onde vai, inidentificável para a Polícia, virado da peste,  e doido para consumir e ser consumido por quem lhe der guarida. ‘Azar de quem’, diz ele.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário