Texto publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Você
certamente já ouviu falar de salamandra. Talvez suspeite que seja um animal,
mesmo com esse nome de princesa, e isso
é tudo. Aqui cessa tudo o que você possa dizer a respeito. Porque você nunca
viu nem jamais verá alguma, o que, no mínimo, é muito intrigante: estamos
diante de um animal que você já ouviu falar, parece que conhece, mas não sabe
bem o que é, ou quem é. Talvez tenha
sonhado com alguma, numa aparição triunfal depois de ter tido um pesadelo
sonhando com Suzana Vieira ou Dilma Roussef, botando-as pra correr. Será que
era mesmo uma salamandra? Ou teria sido
a mulher-melão? Você não sabe, ninguém sabe. Mistério! Tentemos, nem que seja
para justificar o título dessa crônica, ajudar. Na realidade, a Salamandra, ao contrário do que seu nome e
seu mistério sugere é um animal muito
feio, como todo batráquio que se preze.
Mas, será mesmo que é um
animal? Em seu O livro dos seres
imaginários, Jorge Luis Borges diz:
“Não é apenas um animal que vive no fogo, é também um batráquio insetívoro de
pele lisa, de cor negra intensa com manchas amarelas simétricas.”
Donde se tem
a primeira certeza quanto à salamandra: um animal que vive no fogo ou, na pior
das hipóteses, que tem com este alguma intimidade. Fossem suas manchas ao invés
de amarelas, brancas, teria uma aparência próxima ao uniforme do Botafogo (olha
aí o fogo) e já teríamos meio caminho andado para entende-la. Existem, como todo torcedor sabe,
coisas que só acontecem com o Botafogo.
No livro X de sua
história Plínio diz que a salamandra é tão fria que apaga o fogo ao simples
contacto, mas no capítulo XXI desse mesmo livro reconsidera o que disse, observando que,
se assim fosse, os bombeiros a utilizariam para apagar incêndios. Isto se fosse
fácil acha-las. Já pensou? Se existissem salamandras ao alcance da mão, Eike
Batista, certamente, jamais teria usado
o ‘extintor de incêndio’ de um bombeiro
para acabar o fogo de sua fogosa esposa Luma de Oliveira. Ia de salamandra,
mesmo.
O certo é que essa
intimidade com o fogo fez da salamandra um animal mítico e impressionante, um
verdadeiro manancial para os ficcionistas. Ora, o próprio Borges era um
mitômano ficcional, criava personagens e fatos, o que torna cada vez mais
difícil resolver a questão: afinal de contas, existem ou não salamandras?
Existem sim. Como todos
os anfíbios, são ovíparas e, portanto, ao contrário do que fizeram crer os
ficcionistas, seus bebês não provêm de românticas chamas, mas de prosaicos
ovos. Originaram-se dos peixes e atingiram grande desenvolvimento há 20 milhões
de anos, mas com a concorrência de répteis, mamíferos e aves foram escasseando.
Pertencem à classe dos urodelos que se distinguem dos anuros, como a rã e o
sapo.
Com toda essa carga de passado nos ombros (ou
melhor, nas quatro perninhas danadas, de fazer inveja a qualquer Barichello) os
urodelos mantiveram as características da vida primitiva. Sua pele não possui
nenhuma proteção, nem escamas, nem pelos ou penas e seus olhos fixos produzem
em quem os contempla a desagradável sensação de estar sendo observado (imagine
o sucesso que fariam num BBBrasil!) Quando perseguidos soltam automaticamente a
cauda, que se desprende do corpo, distraindo a atenção do agressor; nisso diferindo
das popozudas, espécies atrofiadas de salamandras modernas que soltam a cauda justamente para
chamar a atenção.
Quanto a essa história
de que veio do fogo, não passa mesmo de lenda. Ao redor das primeiras fogueiras
que os homens aqueceram para assar alimentos, no meio das chamas surgia uma
salamandra, os olhinhos abertos e rastejando, arisca, para a mata mais próxima.
A madeira lá estalava e lá vinha outra, enquanto os primitivos duvidavam dos
próprios olhos. Como dizia Henry James o ser humano não suporta a realidade. Desde
essa época, portanto.
E
muito mais haveria para se dizer sobre a salamandra para desfazer o mistério
que a cerca, houvesse espaço suficiente nesta crônica. Como a revelação de que é um animalzinho simpático, útil, inofensivo,
e muito longe de queimar a pele humana ao leve contato, contrariando a difamação
dos antigos. Ou, ainda, que entre os seus variados tipos o mais conhecido é a
salamandra salamandra (viu que chique?).
Esta, quando atacada, segrega um líquido irritante que é, não obstante, inócuo
ao homem. Não é mesmo muito boazinha?
Nenhum comentário:
Postar um comentário