artigo publicado hoje, na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Desde que retornei a São Luís, na década de oitenta, que sou
freguês do Seu João, proprietário de uma simpática banca na Praça João Lisboa.
Tudo começou quando lhe pedi para guardar alguns jornais do Rio e de São Paulo
com seus cadernos de literatura, especialmente o Prosa e Verso do JB do dia de sábado, além das revistas semanais,
jornais da ilha, etc. O tempo passou, o JB se foi, mas continuo freguês da
banca e dos jornais de São Paulo, no sábado. Prefiro-os à Internet, porque
aproveito para descobrir na banca alguma preciosidade de informação científica
ou cultural, em revistas como Superinteressante,
Galileu, Scientific American, História,
etc. Pode-se dizer que em uma banca há sempre uma mini biblioteca disponível,
de modo muito prático e relativamente barato
.
Aos poucos, descobri
que ser dono de banca, como Seu João, não é para qualquer um. Embora exerçam uma
atividade de divulgação cultural de retorno evidente para a população em termos
de conhecimento e saber, o lucro dos proprietários é pequeno e o trabalho
complicado. A venda de revistas é
consignada e a devolução das mesmas sequencial
e ininterrupta. Sendo assim, um dono de banca não pode tirar férias O produto
de venda, no caso livros e revistas, é sujeito a deterioração, roubo, respingos
de água etc. sem contar que não há contrapartida do poder público em termos de prover
a segurança necessária para o exercício dessa atividade que é comercial, mas,
sobretudo, cultural. Por esse motivo as
bancas da ilha tem sido constantemente arrombadas com prejuízos para os
proprietários, sendo o ultimo caso, o mais notório, o de uma banca no
Renascença que foi incendiada por marginais revoltados por simplesmente não encontrarem o dinheiro fácil que desejavam,
causando à sua dona, segundo consta, um
prejuízo de 70 mil reais.
Por tudo
isso, não se trata de exagero intuir que ‘botar uma banca’ para funcionar e nela
trabalhar é uma sina que, pródiga, embute uma espécie de arte que deveria ser estimulada e conservada pelo
poder público: a arte de lidar e abastecer a sociedade de um bem cultural.
Domingo
passado, ao procurar a referida banca para pegar o meu jornal fui surpreendido.
Ela havia sido removida para detrás do abrigo da mesma praça, num local ermo e
pouco frequentado. O dono bem que tentou me explicar, resignado, mas atônito. Sob
o suposto de um projeto de recuperação
da Praça João Lisboa, haviam retirado sua banca como se fosse um monturo
descartável. Sem dó nem piedade do conteúdo da mesma, lá estavam livros e revistas amontoados ao Deus dará, sabe-se lá até quando. Pelo que deduzi,
nada a respeito de indenização do dono pelo prejuízo, nada a respeito de qual será o seu destino,
nada a respeito de como ficará sua situação, nada além de desprezo quase ostensivo
a alguém que tendo se dedicado a vida inteira a exercer uma atividade comercial
cultural em prol da comunidade, principia a vislumbrar o nada pela frente, como
se estivesse sendo punido por algum malfeito, enfim, como se estivesse
comercializando algum tipo de droga ao invés de livros e revistas.
Claro que as
justificativas aparecem a bojo de um projeto de melhoria e embelezamento das
praças, patrocinado ao que me parece, pelo IPHAN. Nada contra, a administração
pública precisa zelar pelo bem público, mas porque a má vontade para com bancas
de revista, cujo objetivo também é o bem público? Não me consta que bancas
tenham sido retiradas das grandes avenidas e praças das grandes metrópoles como
São Paulo, Rio, ou até mais perto, Fortaleza com suas tradicionais bancas no
entorno da Praça do Ferreira.
Foi então
que veio à minha mente o termo “Botar Banca”,
cujo uso era muito comum tempos atrás, para designar uma atitude de arrogância
e imposição. O que leva à conclusão, inerente ao assunto, de que existem dois tipos de arte, com a mesma
expressão , referindo-se a finalidades distintas.
A primeira, a arte já sugerida acima, do seu
João: alguém que botando uma banca para funcionar e por ela zelando diariamente
associa seu labor e dedicação à divulgação de arte e cultura, por isso mesmo se
tornando um artista também. Por outro lado, outro tipo de banca imposta: aquela
que é oriunda da insensibilidade de
alguns burocratas da administração pública que acham oportuno se desfazer dos empreendimentos
já sedimentados e antigos, mas que
continuam necessários para o alcance do objetivo final ideal: no caso, vias
públicas ordenadas e civilizadas, mas onde pessoas possam sempre ter acesso a
um bem cultural.
"Que esse
segundo tipo de banca, não se sobreponha à primeira".
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