sábado, 21 de março de 2015

A ARTE DE BOTAR BANCA




artigo publicado hoje, na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Desde que retornei a São Luís, na década de oitenta, que sou freguês do Seu João, proprietário de uma simpática banca na Praça João Lisboa. Tudo começou quando lhe pedi para guardar alguns jornais do Rio e de São Paulo com seus cadernos de literatura, especialmente o Prosa e Verso do JB do dia de sábado, além das revistas semanais, jornais da ilha, etc. O tempo passou, o JB se foi, mas continuo freguês da banca e dos jornais de São Paulo, no sábado. Prefiro-os à Internet, porque aproveito para descobrir na banca alguma preciosidade de informação científica ou cultural, em revistas como Superinteressante, Galileu, Scientific American, História, etc. Pode-se dizer que em uma banca há sempre uma mini biblioteca disponível, de modo muito prático e relativamente  barato   
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            Aos poucos, descobri que ser dono de banca, como Seu João, não é para qualquer um. Embora exerçam uma atividade de divulgação cultural de retorno evidente para a população em termos de conhecimento e saber, o lucro dos proprietários é pequeno e o trabalho complicado.  A venda de revistas é consignada e a devolução das mesmas  sequencial e ininterrupta. Sendo assim, um dono de banca não pode tirar férias O produto de venda, no caso livros e revistas, é sujeito a deterioração, roubo, respingos de água etc. sem contar que não há contrapartida do poder público em termos de prover a segurança necessária para o exercício dessa atividade que é comercial, mas, sobretudo, cultural.  Por esse motivo as bancas da ilha tem sido constantemente arrombadas com prejuízos para os proprietários, sendo o ultimo caso, o mais notório, o de uma banca no Renascença que foi incendiada por marginais revoltados por simplesmente  não encontrarem o dinheiro fácil que desejavam, causando à sua dona, segundo consta,  um prejuízo de 70 mil reais.

            Por tudo isso, não se trata de exagero intuir que  ‘botar uma banca’ para funcionar e nela trabalhar é uma sina que, pródiga, embute uma espécie de  arte que deveria ser estimulada e conservada pelo poder público: a arte de lidar e abastecer a sociedade de um bem cultural.  



                                                   






            Domingo passado, ao procurar a referida banca para pegar o meu jornal fui surpreendido. Ela havia sido removida para detrás do abrigo da mesma praça, num local ermo e pouco frequentado. O dono bem que tentou me explicar, resignado, mas atônito. Sob o suposto de um projeto de  recuperação da Praça João Lisboa, haviam retirado sua banca como se fosse um monturo descartável. Sem dó nem piedade do conteúdo da mesma, lá estavam  livros e revistas amontoados  ao Deus dará, sabe-se lá até quando. Pelo que deduzi, nada a respeito de indenização do dono pelo prejuízo,  nada a respeito de qual será o seu destino, nada a respeito de como ficará sua situação, nada além de desprezo quase ostensivo a alguém que tendo se dedicado a vida inteira a exercer uma atividade comercial cultural em prol da comunidade, principia a vislumbrar o nada pela frente, como se estivesse sendo punido por algum malfeito, enfim, como se estivesse comercializando algum tipo de droga ao invés de livros e revistas.

            Claro que as justificativas aparecem a bojo de um projeto de melhoria e embelezamento das praças, patrocinado ao que me parece, pelo IPHAN. Nada contra, a administração pública precisa zelar pelo bem público, mas porque a má vontade para com bancas de revista, cujo objetivo também é o bem público? Não me consta que bancas tenham sido retiradas das grandes avenidas e praças das grandes metrópoles como São Paulo, Rio, ou até mais perto, Fortaleza com suas tradicionais bancas no entorno da Praça do Ferreira.





                                               






            Foi então que  veio à minha mente o termo “Botar Banca”, cujo uso era muito comum tempos atrás, para designar uma atitude de arrogância e imposição. O que leva à conclusão, inerente ao assunto,  de que existem dois tipos de arte, com a mesma expressão , referindo-se a finalidades distintas.  





                                                






A primeira, a arte já sugerida acima, do seu João: alguém que botando uma banca para funcionar e por ela zelando diariamente associa seu labor e dedicação à divulgação de arte e cultura, por isso mesmo se tornando um artista também. Por outro lado, outro tipo de banca imposta: aquela que é  oriunda da insensibilidade de alguns burocratas da administração pública que acham oportuno se desfazer dos empreendimentos  já sedimentados e antigos, mas que continuam necessários para o alcance do objetivo final ideal: no caso, vias públicas ordenadas e civilizadas, mas onde pessoas possam sempre ter acesso a um bem cultural.

            "Que esse segundo tipo de banca, não se sobreponha à primeira".
                                                                       ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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