quarta-feira, 4 de março de 2015

O MELHOR FAROESTE QUE VI ( E QUE NEM ASSISTI)










artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Qual o melhor filme? Os brutos também amam, O homem dos vales perdidos ou Shane? Na verdade, todos os três, já que se tratava do mesmo filme. Vá lá, a estas alturas os cinéfilos da ilha já relacionaram Shane, o faroeste que ganhou o Oscar em 1954, à sua versão brasileira de título Os Brutos Também Amam (aliás,  bem melhor que  o original), mas será que alguém, mesmo os bons cinéfilos, se lembram de O homem dos Vales Perdidos?

Pois foi com o título de O Homem dos Vales Perdidos que vi um dos  melhores filmes da minha vida - quiçá o melhor - sem sequer tê-lo assistido na tela. Explico: na época em que era pre-adolescente e lia tudo quanto era revista em quadrinhos, de Capricho a Tarzan, Fantasma a Cisco Kid, apareceu uma série de revistas de formato um pouco menor, publicadas por uma editora cujo nome era, se não me engano, Editormex, que reproduziam filmes, com fotos P&B.



                                     



As aventuras destas, claro, ganhavam das demais em maturidade e realismo,  o  que deslumbrava  as crianças como eu que, por essa época, faziam a transição das histórias em quadrinhos para os livros. Os títulos, por alguma razão, não eram os mesmos dos filmes, de forma que só algum tempo mais tarde percebi que as aventuras se referiam, de fato, a filmes famosos nas telas. Por exemplo, as aventuras de Tarzan eram reproduzidas com o título de Antar,  fosse com o ator John Weissmuller ou Gordon Scott. Mas foi,  sem dúvida, O homem dos Vales perdidos  - ou Os Brutos também Amam, ou Shane -  a que mais me  marcou a ponto de ainda hoje acreditar que não haverá filme  assistido no cinema capaz de reproduzir a emoção que a leitura dessa revista me causou,  o que me fez pedir à minha tia para conservá-la numa encadernação com outras cinco, num volume que reli várias vezes  e cujo extravio  hoje tanto me pesar me causa.
            Possivelmente, os felizardos que viram o filme no cinema ou na tevê puderam apreciá-lo de forma equivalente,  e devem ter saído com a impressão de um dos melhores faroestes de todos os tempos, o que não é pouco. Ali estão reproduzidos todos os sintomas típicos de sedução da saga peculiar aos  westerns ; a valentia, a luta do bem contra o mal, a batalha pela sobrevivência num ambiente inóspito só que, neste caso,  acrescidos dos mecanismos existenciais que o tornaram um faroeste único: a paixão de corações brutos, ‘que também amam’;  o extravasamento violento, mas surpreendentemente elegante,  dos sentimentos reprimidos e, sobretudo,  a maior de todas as liberdades que é a da juventude a derivar na idealização de um personagem de contos de fadas, tão real quanto possível: solitário,  misterioso e indestrutível. Enfim, o eterno  mito da valentia generosa, surgida sem onde nem pra onde, e sabe-se  lá porquê.                                                     
Todas essas nuances podem ser percebidas na tela, talvez, porém, quando reproduzidas em fotos sequenciais, como as que estiveram ao meu alcance, adquirem uma dimensão vários graus mais elevada, como se o efêmero das imagens na tela as impedisse de estratificar plenamente no coração do  receptor as sensações de obra de arte jamais concebida. Cenas memoráveis como as do enlevo adúltero da mãe do menino Joey, ao ser  contemplada pelo cavaleiro solitário, na penumbra. Ou o da face da maldade no expressivo rosto de  Jack Palance , ao liquidar num riso sardônico um pobre posseiro, concentram-se nas fotos e dela se apropriam, como se o fantasma do acontecido, (como um orgasmo ou algum outro tipo de êxtase)  pudesse perdurar através da foto infinitamente.



                                                 



            A motivação para escrever esta crônica me veio de um texto lido de Sérgio Augusto, dias atrás em o Estado de São Paulo, quando este se referiu a um livro escrito nos USA, no qual o autor se dava ao direito de fantasiar sobre os finais inconclusos de grandes filmes como Casablanca, ET e o próprio “Shane”. Mas, no caso deste último, a  qual se referia: o da tela, ou o da revista que li?



                                                   
                                               


            Porque o do filme que vi, na revista, jamais poderia ter outro epílogo, ou continuação. Quando o menino Joey grita para as montanhas dos vales perdidos clamando por Shane! Shane!,  e o pistoleiro solitário desaparece no horizonte,  o que está indo embora não é um homem valente apenas, mas as esperanças da juventude repentinamente frustradas na idealização de um sonho irrealizável. Mais ou menos como descrito no célebre soneto As Pombas de Raimundo Correia quando, a reboque do fulgor da juventude os sonhos céleres voam, mas, como diz o verso final e todo mundo sabe,  ‘estes aos corações não voltam mais’.

                                                                                  Jose Ewerton Neto                                                                http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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