Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Caixa-Preta. Taí uma coisa que eu gostaria de entender
melhor. Basta cair um avião para que todos saiam atrás desse equipamento, tão
perdido em algum lugar do planeta quanto os passageiros do avião. A diferença é
que os passageiros são seres humanos e a caixa-preta... Bem, a caixa-preta é
aquilo que nunca dizem exatamente o que é embora seja tratada como se fosse
mais importante do que qualquer infeliz que estava a bordo.
E tudo isso
para que se continue a dizer que o avião é o meio de transporte mais seguro do
mundo, que é imune a falhas comuns, ou que na sua concepção e no seu
aprimoramento a engenharia humana alcançou as raias da quase perfeição divina. “Bem,
de fato, morreram alguns seres humanos”, dizem os donos das empresas de aviação
“mas ainda resta a caixa-preta, só depois do que ela mostrar, poderemos nos
pronunciar a respeito”. Mais ou menos como se a caixa-preta, de repente, fosse
capaz de ressuscitar os mortos ou pudesse amenizar o desconforto dos seus parentes.
O fato é que
virou rotina, de alguns anos para cá, a queda de um Boeing em algum lugar ermo
do planeta, a ponto de já nem nos surpreendermos quando o noticiário anuncia a
queda de mais um. E, se não mais nos impressionamos com as mortes, tampouco nos impressionamos com a voz
monocórdia dos responsáveis, ou do presidente da república, com afetada
consternação a tentar remediar a tragédia, sugerindo uma impossível
solução: “Ficamos tristes por todos, mas
não chorem, estamos atrás da caixa-preta”.
“Cadê a
caixa-preta”, reproduzimos como papagaios. Cadê a caixa-preta, “repetem os repórteres”
“Ainda resta a caixa-preta”, repetem também, sem outra alternativa, até os parentes. E
quando a caixa-preta surge - o que é raro hoje em dia-, pouco esclarece, pouco
elucida como no caso recente do avião que caiu na França. É quando a coisa
chega às raias do ininteligível, porque (acreditem!) tem mais de uma caixa-preta
no meio. Como dizem os investigadores:
“Descobrimos uma caixa-preta, mas precisamos encontrar a outra. Continuamos a
análise, mas até o momento não temos a
menor explicação É necessário confrontar os dados das duas caixas-pretas para
saber o que aconteceu. Isso pode levar dias, semanas ou meses.” O que
mostra que a procura da caixa-preta seja
uma , sejam duas, ou sejam oitocentas, ao final de contas, para nada serve.
Na falta de solução palpável eis o que parece a função principal da caixa-preta:
serve muito mais para que os donos das
empresas ganhem tempo e que as autoridades iludam a plateia aparentando estarem
em busca de uma solução. Não seria lógico esperar que, no estágio a que chegamos
em tecnologia de comunicação, as informações pudessem transmitidas on-line para
não depender da busca de caixas-pretas atiradas nas sombras?
A
empulhação, mesmo para leigos se torna evidente porque...Alguém sabe mesmo o
que existe dentro de uma caixa-preta? E por que cargas d’água são chamadas desse
jeito? Não seria por anteciparem em seu nome o negrume total, a ausência de
clareza e solução, quando sombras e mais sombras aparecem no destino de
inocentes?
A tal da
caixa-preta parece ter sido fabricada sob encomenda para nos distrairmos com a ilusão de que não
há morte em nosso futuro, que isso não é irremediável quer queiramos ou não,
quer aceitemos ou não, hajam caixas-pretas ou não. Por trás do nome sombrio e
de sua ineficácia serve apenas para estimular a ideia orgulhosa de que
atingimos um patamar de tecnologia superior capaz de afirmar o ser humano
diante da imprevisibilidade e do inesperado.
No fundo é
uma caixa-preta nos moldes da eterna pergunta nunca respondida pelos cientistas
e jamais solucionável: “O que somos, de onde viemos, para onde vamos?” . Não
seria mais fácil e menos hipócrita que as autoridades amparassem as vítimas de
modo efetivo e, mesmo sendo ateus, se dessem as mãos e dissessem: “Que Deus
tenha piedade de todos e de nossa imensa fragilidade diante do destino”?
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