Artigo publicado na seção Hoje é dia de... Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado
Na década de setenta, os convidados
do museu de cera de Madame Tussaud, em Londres, eram convidados a selecionar as
mulheres mais belas dos ‘tempos modernos’, então. As escolhidas em 1970 foram pela
ordem: Elizabeth Taylor; Sophia Loren; Raquel Welch; Brigite Bardot e Marilyn
Monroe. Elizabeth Taylor, Sophia Loren e Marylin Monroe se repetiram em todas
as listas anuais da década. Esse time, de fato, era pra ninguém botar defeito.
Hoje em dia
a coisa não parece ser tão fácil assim, por falta de unanimidade em torno. São
tantas as belas e, como a cada quinze segundos surge uma mais bonita, a coisa
não se estratifica: não há tempo para fazer da beleza uma personagem de si
mesmas, como fizeram as três citadas
acima. A mais infeliz, Marilyn,
incorporou à sua beleza a aura trágica do suicídio. Nesse mundo atual de belezas pulverizadas
pela necessidade midiática de renovação sobra até mesmo para nossa Gisele
Bundchen – aquela que nem no nome tem uma bunda completa, como assim exibe em seu
título: Gisele Bund-(a)-chen.
E já que
falamos de personagem, talvez seja um exercício mais fácil tentar descobrir a mais bela personagem da literatura.
Lembro, de
saída, de Catarina Earnshaw de “O Morro dos ventos uivantes” Bela sim, desde
criança , mas não sei se sua beleza meio ‘bucólica’ sobreviveria plenamente longe dos ventos uivantes dos morros a açoitar
seus cabelos. Parece-me que perdeu um tanto de seu charme selvagem depois que
abandonou a charneca, e na minha imaginação já não era tão bela quando morreu
nos braços do cigano que a amava desesperadamente “O amor não é fogo cuja chama se apague com a
morte”, ele disse. E quanto a Capitu, a célebre adúltera de Machado de Assis?
Será que era bonita, de verdade? Claro que não era feia, mas nada indica que fosse
dona de uma beleza mais que razoável, o suficiente apenas para provocar a
insegurança do parceiro. Ora, parece óbvio que para botar chifres num sujeito autoindulgente
como Bentinho, uma mulher sequer precisaria ser bonita. E Ana Karenina?
Devia ser
bela sim, no padrão antigo, possivelmente um pouco gorda para a apreciação de
hoje. Morreu debaixo de um trem, e
mulheres lindas de verdade não morrem debaixo de um trem. Já Madame Bovary, acho até que era parecida com a russa não só
na busca do adultério como redenção para a sensaboria da vida cotidiana.
É provável que Ana Karenina fosse até mais
bonita que Ema Bovary mas a dama criada por Flaubert tinha um tom a mais de luxúria sempre a pique de extravasar, o que a tornava mais desejável.
E assim por
diante, já que o espaço é curto, até
chegarmos à inevitável Iracema, de Jose de Alencar. Mas qual, um autor
exagerado e romântico como José de Alencar certamente ampliava os dons naturais
da índia quando falava na ‘virgem dos
lábios de mel eu tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna’. Dá pra
acreditar nisso? Vai ver que a indiazinha era um tanto buchudinha e tinha
dentes cariados, de pouco trato.
Curiosamente,
essas heroínas dos livros, mesmo à mercê de nossa imaginação prodigiosa e fértil,
podem tornar-se mais belas e mais palpáveis quando associadas às atrizes que as
representam. Lembro de Lara, do romance Doutor
Jivago, corporificando-me uma beleza transcendental, ao mesmo tempo poética
e selvagem, quando vi a representação de Julie Christie nesse filme. A cena em
que Lara-Julie, pobremente vestida, atravessa o salão de aristocratas para dar
um tiro no homem que a prostituiu, ofusca todo o resto e resplandece de sua
beleza sensual e avassaladora. Ela teria tudo para ser a heroína mais bela das versões cinematográficas
da literatura se ...
Se não existisse
Sophia Loren em Duas Mulheres, baseado em A
Ciociara de Alberto Moravia, cujo livro já havia lido quando vi o filme. Nele surgiu,
para mim, a personagem mais bela da literatura por ter ficado associada em
definitivo à beleza dessa atriz, que
interpretou a mãe de uma adolescente, na tela. E Sofia Loren tinha, certamente, um
rosto mais bonito do que qualquer imaginação seria capaz de criar.
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