sábado, 14 de março de 2015

MAIS BELA





Artigo publicado na seção Hoje é dia de... Caderno Alternativo,
jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado




                Na década de setenta, os convidados do museu de cera de Madame Tussaud, em Londres, eram convidados a selecionar as mulheres mais belas dos ‘tempos modernos’, então. As escolhidas em 1970 foram pela ordem: Elizabeth Taylor; Sophia Loren; Raquel Welch; Brigite Bardot e Marilyn Monroe. Elizabeth Taylor, Sophia Loren e Marylin Monroe se repetiram em todas as listas anuais da década. Esse time, de fato,  era pra ninguém botar defeito.




                                                       





            Hoje em dia a coisa não parece ser tão fácil assim, por falta de unanimidade em torno. São tantas as belas e, como a cada quinze segundos surge uma mais bonita, a coisa não se estratifica: não há tempo para fazer da beleza uma personagem de si mesmas,  como fizeram as três citadas acima. A mais infeliz,  Marilyn, incorporou à sua beleza a aura trágica do suicídio.  Nesse mundo atual de belezas pulverizadas pela necessidade midiática de renovação sobra até mesmo para nossa Gisele Bundchen – aquela que nem no nome tem uma bunda completa, como assim exibe em seu título: Gisele  Bund-(a)-chen.

            E já que falamos de personagem, talvez seja um exercício  mais fácil tentar  descobrir a  mais bela personagem da literatura.

            Lembro, de saída, de Catarina Earnshaw de “O Morro dos ventos uivantes” Bela sim, desde criança , mas não sei se sua beleza meio ‘bucólica’ sobreviveria plenamente  longe dos ventos uivantes dos morros a açoitar seus cabelos. Parece-me que perdeu um tanto de seu charme selvagem depois que abandonou a charneca, e na minha imaginação já não era tão bela quando morreu nos braços do cigano que a amava desesperadamente  “O amor não é fogo cuja chama se apague com a morte”, ele disse. E quanto a Capitu, a célebre adúltera de Machado de Assis? Será que era bonita, de verdade? Claro que não era feia, mas nada indica que fosse dona de uma beleza mais que razoável, o suficiente apenas para provocar a insegurança do parceiro. Ora, parece óbvio que para botar chifres num sujeito autoindulgente como Bentinho, uma mulher sequer precisaria ser bonita.  E Ana Karenina?
            Devia ser bela sim, no padrão antigo, possivelmente um pouco gorda para a apreciação de hoje. Morreu debaixo de um trem,  e mulheres lindas de verdade não morrem debaixo de um trem. Já Madame Bovary,  acho até que era parecida com a russa não só na busca do adultério como redenção para a sensaboria da vida cotidiana. 



                                                  
                                                   





É provável que Ana Karenina fosse até mais bonita que Ema Bovary mas a dama criada por Flaubert tinha um  tom a mais de luxúria sempre a pique  de extravasar, o que a tornava mais desejável.
            E assim por diante, já que o espaço é curto,  até chegarmos à inevitável Iracema, de Jose de Alencar. Mas qual, um autor exagerado e romântico como José de Alencar certamente ampliava os dons naturais da índia quando falava  na ‘virgem dos lábios de mel eu tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna’. Dá pra acreditar nisso? Vai ver que a indiazinha era um tanto buchudinha e tinha dentes cariados, de pouco trato.
            Curiosamente, essas heroínas dos livros, mesmo à mercê de nossa imaginação prodigiosa e fértil, podem tornar-se mais belas e mais palpáveis quando associadas às atrizes que as representam. Lembro  de Lara,  do romance Doutor Jivago, corporificando-me uma beleza transcendental, ao mesmo tempo poética e selvagem, quando vi a representação de Julie Christie nesse filme. A cena em que Lara-Julie, pobremente vestida, atravessa o salão de aristocratas para dar um tiro no homem que a prostituiu, ofusca todo o resto e resplandece de sua beleza sensual e avassaladora. Ela teria tudo para ser a  heroína mais bela das versões cinematográficas da literatura se ...




                                                        






            Se não existisse Sophia Loren em Duas Mulheres, baseado em A Ciociara de Alberto Moravia, cujo livro já  havia lido quando vi o filme. Nele surgiu, para mim, a personagem mais bela da literatura por ter ficado associada em definitivo à beleza  dessa atriz, que interpretou a mãe de uma adolescente, na  tela. E Sofia Loren tinha, certamente, um rosto mais bonito do que qualquer imaginação seria capaz de criar.
                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com
                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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