sábado, 31 de julho de 2021

O NÚMERO INFINDÁVEL



Quando comecei  a me interessar pela matemática, na infância, nenhuma de suas expressões me pareceu tão perturbadora,  curiosa e surpreendente como a Dízima Periódica, um número rebelde que não para de se repetir na última casa.

Nada consegue detê-la: nem uma cerca de arame farpado, nem uma barreira eletrônica, provavelmente nem os buracos das ruas de São Luís. Nessa época comecei a desconfiar que aquela história do tão certo quanto dois mais dois são quatro não passava de uma frase de efeito.

Anos atrás li em reportagem de uma revista científica que o número de Avogadro não é mais o mesmo. O famoso 6,02 x 1023 de repente não é mais aquele. A diferença é na casa de centésimos de milésimos, mas num número tão grande isso equivale a bilhões de bilhões.

Bote bilhões de incertezas nisso! Como diz Becker, o autor dos cálculos : “O que pretendíamos, de fato, era encontrar uma nova definição científica para o quilograma, que ainda carece de definição.” Ou seja, Avogadro apenas entrou de gaiato nessa história e a essas alturas do campeonato, todos nós, escravos da vida moderna,  somos gordos,  mas não sabemos exatamente o quanto.

Claro, tudo evolui na vida, até as fórmulas. Assim como Galileu e Newton que ficaram para trás, agora ficou Avogadro e seu número, sem sequer um “Advogado” para defendê-lo. Se o ser humano levou milhões de anos para descobrir que o tempo e o espaço não passam de abstrações e tem funções relativas tudo indica que num futuro não muito distante a matemática e seu dois mais dois não sejam  exatamente quatro.

Isso dá uma esperança ao destino bizarro da dízima periódica. Qualquer dia vão descobrir que duas paralelas se encontram antes do infinito ou que a dízima para em algum lugar, quem sabe num bar da esquina. Se para tomar um chope ou simplesmente rir das agruras dos estudantes em prova do Enem isso são outros quinhentos. O fato é que, as esquisitices dos números um dia terão solução, imperfeitas ou não.

Irremediáveis, insolúveis e definitivas, por sua vez, são as dízimas periódicas da vida, essas que se repetirão eternamente como uma sentença: as enchentes de  inverno com suas mortes trágicas, as bobagens coletivas como o BBBrasil, as Pandemias etc.etc.

Como seria bom se as realidades da vida, ao invés de tão periodicamente irreversíveis fossem inexatas, mutáveis e manipuláveis quanto as da Ciência! O mundo seria bem melhor, certamente. Tão certo como dois mais dois não são (serão) quatro. 


 

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