Quando comecei a me interessar pela matemática, na infância,
nenhuma de suas expressões me pareceu tão perturbadora, curiosa e surpreendente como a Dízima
Periódica, um número rebelde que não para de se repetir na última casa.
Nada consegue detê-la: nem uma cerca
de arame farpado, nem uma barreira eletrônica, provavelmente nem os buracos das
ruas de São Luís. Nessa época comecei a desconfiar que aquela história do tão
certo quanto dois mais dois são quatro não passava de uma frase de efeito.
Anos atrás li em reportagem de uma
revista científica que o número de Avogadro não é mais o mesmo. O famoso 6,02 x
1023 de repente não é mais aquele. A diferença é na casa de
centésimos de milésimos, mas num número tão grande isso equivale a bilhões de
bilhões.
Bote bilhões de incertezas nisso!
Como diz Becker, o autor dos cálculos : “O que pretendíamos, de fato, era
encontrar uma nova definição científica para o quilograma, que ainda carece de
definição.” Ou seja, Avogadro apenas entrou de gaiato nessa história e a essas
alturas do campeonato, todos nós, escravos da vida moderna, somos gordos, mas não sabemos exatamente o quanto.
Claro, tudo evolui na vida, até as
fórmulas. Assim como Galileu e Newton que ficaram para trás, agora ficou
Avogadro e seu número, sem sequer um “Advogado” para defendê-lo. Se o ser
humano levou milhões de anos para descobrir que o tempo e o espaço não passam
de abstrações e tem funções relativas tudo indica que num futuro não muito
distante a matemática e seu dois mais dois não sejam exatamente quatro.
Isso dá uma esperança ao destino bizarro
da dízima periódica. Qualquer dia vão descobrir que duas paralelas se encontram
antes do infinito ou que a dízima para em algum lugar, quem sabe num bar da
esquina. Se para tomar um chope ou simplesmente rir das agruras dos estudantes
em prova do Enem isso são outros quinhentos. O fato é que, as esquisitices dos
números um dia terão solução, imperfeitas ou não.
Irremediáveis, insolúveis e
definitivas, por sua vez, são as dízimas periódicas da vida, essas que se
repetirão eternamente como uma sentença: as enchentes de inverno com suas mortes trágicas, as bobagens
coletivas como o BBBrasil, as Pandemias etc.etc.
Como seria bom se as realidades da
vida, ao invés de tão periodicamente irreversíveis fossem inexatas, mutáveis e
manipuláveis quanto as da Ciência! O mundo seria bem melhor, certamente. Tão certo
como dois mais dois não são (serão) quatro.
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