sábado, 28 de fevereiro de 2015

SALAMANDRAS





                                                     





Texto publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão, hoje, sábado


Você certamente já ouviu falar de salamandra. Talvez suspeite que seja um animal, mesmo com esse nome de princesa,  e isso é tudo. Aqui cessa tudo o que você possa dizer a respeito. Porque você nunca viu nem jamais verá alguma, o que, no mínimo, é muito intrigante: estamos diante de um animal que você já ouviu falar, parece que conhece, mas não sabe bem o que é,  ou quem é. Talvez tenha sonhado com alguma, numa aparição triunfal depois de ter tido um pesadelo sonhando com Suzana Vieira ou Dilma Roussef, botando-as pra correr. Será que era mesmo uma  salamandra? Ou teria sido a mulher-melão? Você não sabe, ninguém sabe. Mistério! Tentemos, nem que seja para justificar o título dessa crônica, ajudar. Na realidade,  a Salamandra, ao contrário do que seu nome e seu mistério sugere é  um animal muito feio, como todo batráquio que se preze.

                        Mas, será mesmo que é um animal? Em seu O livro dos seres imaginários,  Jorge Luis Borges diz: “Não é apenas um animal que vive no fogo, é também um batráquio insetívoro de pele lisa, de cor negra intensa com manchas amarelas simétricas.” 



                                                    





Donde se tem a primeira certeza quanto à salamandra: um animal que vive no fogo ou, na pior das hipóteses, que tem com este alguma intimidade. Fossem suas manchas ao invés de amarelas, brancas, teria uma aparência próxima ao uniforme do Botafogo (olha aí o fogo) e já teríamos meio caminho andado para  entende-la. Existem, como todo torcedor sabe, coisas que só acontecem com o Botafogo.

                        No livro X de sua história Plínio diz que a salamandra é tão fria que apaga o fogo ao simples contacto, mas no capítulo XXI desse mesmo  livro reconsidera o que disse, observando que, se assim fosse, os bombeiros a utilizariam para apagar incêndios. Isto se fosse fácil acha-las. Já pensou? Se existissem salamandras ao alcance da mão, Eike Batista, certamente,  jamais teria usado o ‘extintor de incêndio’ de um  bombeiro para acabar o fogo de sua fogosa esposa Luma de Oliveira. Ia de salamandra, mesmo.

                        O certo é que essa intimidade com o fogo fez da salamandra um animal mítico e impressionante, um verdadeiro manancial para os ficcionistas. Ora, o próprio Borges era um mitômano ficcional, criava personagens e fatos, o que torna cada vez mais difícil resolver a questão: afinal de contas, existem ou não salamandras?

                        Existem sim. Como todos os anfíbios, são ovíparas e, portanto, ao contrário do que fizeram crer os ficcionistas, seus bebês não provêm de românticas chamas, mas de prosaicos ovos. Originaram-se dos peixes e atingiram grande desenvolvimento há 20 milhões de anos, mas com a concorrência de répteis, mamíferos e aves foram escasseando. Pertencem à classe dos urodelos que se distinguem dos anuros, como a rã e o sapo.

                         Com toda essa carga de passado nos ombros (ou melhor, nas quatro perninhas danadas, de fazer inveja a qualquer Barichello) os urodelos mantiveram as características da vida primitiva. Sua pele não possui nenhuma proteção, nem escamas, nem pelos ou penas e seus olhos fixos produzem em quem os contempla a desagradável sensação de estar sendo observado (imagine o sucesso que fariam num BBBrasil!) Quando perseguidos soltam automaticamente a cauda, que se desprende do corpo, distraindo a atenção do agressor; nisso diferindo das popozudas, espécies atrofiadas de salamandras  modernas que soltam a cauda justamente para chamar a atenção.





                                               





                        Quanto a essa história de que veio do fogo, não passa mesmo de lenda. Ao redor das primeiras fogueiras que os homens aqueceram para assar alimentos, no meio das chamas surgia uma salamandra, os olhinhos abertos e rastejando, arisca, para a mata mais próxima. A madeira lá estalava e lá vinha outra, enquanto os primitivos duvidavam dos próprios olhos. Como dizia Henry James o ser humano não suporta a realidade. Desde essa época, portanto.   




                                                   





                        E muito mais haveria para se dizer sobre a salamandra para desfazer o mistério que a cerca, houvesse espaço suficiente nesta crônica. Como a revelação de  que é um animalzinho simpático, útil, inofensivo, e muito longe de queimar a pele humana ao leve contato, contrariando a difamação dos antigos. Ou, ainda, que entre os seus variados tipos o mais conhecido é a salamandra  salamandra (viu que chique?). Esta, quando atacada, segrega um líquido irritante que é, não obstante, inócuo ao homem. Não é mesmo muito boazinha?
                                                                                                                                                                                             ewerton.neto@hotmail.com                                                                                                        http://www.joseewertonneto.blogspot.com


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