NO CORAÇÃO DO MAR
artigo publicado quinta-feira, no jornal
o Estado do Maranhão
Não li e não gostei. Assim dizia o saudoso Erasmo Dias a
respeito de algum livro que não havia
lido, e que antecipadamente desprezava, expondo
sua desaprovação em relação a algo que essa obra lhe incutia: antipatia ao
autor, ao tema da obra, enfim a algo capaz de desapontá-lo à simples menção, e que não admitia sequer uma revisão
redentora.
Essa postura
pode ter também o seu inverso no mundo da literatura. Foi o que descobri assim que enveredei no mundo lúdico e
assombrado da leitura: neste caso, o livro que ainda não se leu, mas do qual já
se gosta, independentemente da leitura que um dia deste se fará, ou não. Refiro-me,
ao romance Moby Dick, de Hermann Melville que se tornou, para mim, depois que adquiri um exemplar de uma
bela edição do mesmo, o melhor livro “que ainda não li, mas gostei”.
“Mas, como se pode ter a audácia de
classificar um livro como melhor sem
sequer tê-lo lido?”, pode perguntar
alguém.
Sem outra solução como resposta só me restaria arguir que a
literatura têm dessas coisas. Insinuo, depois de haver lido uma boa penca deles, que
um romance não é somente o que está escrito, mas o que sugere ou simboliza; ou
ainda, o que está antes mesmo da construção
do enredo, palavra após palavra. “Desgraçado do escritor que não consegue fazer
o seu leitor participar da montagem do sonho que idealizou!”, disse alguém. E
essa montagem do sonho, começa a ser edificada
pela mente do leitor antes e além da própria
leitura.
Faz algum
tempo, pois, que, tendo adquirido o
livro, nunca me decidira a lê-lo por uma
razão oculta, até para mim. Teria sido
por reverência ou por receio de que a leitura não comprovasse o êxtase idealizado?
Acredito que não. Um escritor da estirpe de Herman Melville não decepcionaria a
ninguém, principalmente tendo sido a epopeia descrita por sua caneta extraída
de fatos reais, vivenciados por uma gigantesca baleia e seus perseguidores
humanos o que faz disparar todos os processos coletivos e inconscientes de
defesa diante do ambiente inóspito, o que se constitui na quintessência de uma
aventura de sedução imediata.
Melville personificou essa tensão, porém, personificou
também a eterna luta do gênero humano contra o seu destino fatal, através da
transfiguração, em poesia, da batalha de intrépidos baleeiros não contra um
monstro representando as forças do mal, como querem alguns, mas contra um deus da
natureza, tentando cravar-lhe um arpão não para sangrá-lo e simplesmente
liquidá-lo, mas para dizer eu sou homem, eu estou aqui, eu quero saber.
Por isso fui
assistir o filme No coração do mar que
é a versão cinematográfica do livro de
Nathaniel Philbrick e que esmiúça a verdadeira história de Moby Dick e sua
saga. Iniciei assim, finalmente, a leitura
pelo caminho inverso, primeiro o filme, depois os dois livros.
Nem precisa
dizer que estou me extasiando, e consagrando uma interessante forma de ver uma
obra de arte de três modos, quase que simultaneamente. Assistido o filme, leio um
trecho da verdadeira história e depois vejo o que um notável ficcionista é capaz de fazer com um fato real. Sugiro, pois, que, na
impossibilidade de usufruir das três, o leitor se compraza com pelo menos uma, que
já será grande coisa. Comprovando que minha intuição estava certa, agora posso confirmar
que o Moby Dick é realmente um dos melhores livros que alguém poderia não ler,
mas gostar.
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