https://www.youtube.com/watch?v=ZNlO01ob9is
‘ UM VERDADEIR ROMANCE POLICIAL. DENSO.
DE SUSPENSE.
COMO SE FOSSE UM BOM ROTEIRO
DE CINEMA.
COM A IRÔNICA NARRATIVA DO MATADOR
DE SUICIDAS INDECISOS, APROVEITA O AUTOR PARA MOSTRAR
EM PROFUNDIDADE, A FRAGILIDADE DAS PESSOAS E A SOCIEDADE
COMO UM ORGANISMO
CONTAMINADO,
DOENTE”
Jose Louzeiro
à procura de suicidas
à procura de suicidas
Em 1992 Ferreira Junior e João de Paula Aragão publicaram no caderno Alternativo, do jornal
O Estado do Maranhão, esta resenha que se tornaria um clássico da crítica maranhense, sobre o recém publicado livro O Prazer de
Matar que vinte anos após seria relançado em São Paulo
O livro que ganhou um concurso literário do SIOGE ( Serviço
de Imprensa e Obras Gráficas , mais tarde extinto) seria transformado, após
revisão e adaptação do autor, na
terceira edição agora publicada pela Arte Pau Brasil SP.
O oficio de matar suicidas é um
policial. Ponto. Mas que policial surpreendente revelou-se. Primeiro porque é um policial às avessas, que parte de
um pobre-diabo, pondo seus serviços à disposição da sociedade: esse é o primeiro
clichê seguido por nove entre dez policiais. Nos policiais clássicos também o
detetive é um ser desenraizado, que tenta achar a sua identidade na proporção
mesma em que busca a de outro.
O oficio de
matar suicidas parte dessas premissas, mas seus fins são outros. Não há na
novela um homem tentando achar
assassinos. Há um homem atrás das vítimas, Não há um homem que busca sua
identidade na do outro, mas um homem que
busca identificar-se na aniquilação do outro. Não se trata de uma tragédia.
A novela
segue uma consolidada e maravilhosa transição da literatura ocidental e,
principalmente, ibérica; é uma novela picaresca, e essa novela picaresca da
tradição ibérica põe em cena justamente um pobre diabo à caça de expedientes para se dar bem na
vida, sabendo de antemão que aquilo não vai dar certo. Pícaro é o bufão, o
canalha, mas o canalha de bom coração, o sujeito atrapalhado que mesmo quando
as coisas dão certo para si, é melhor que não tivessem dado. A tradição ibérica
desse tipo de novela remonta aos séculos dezesseis e dezenbove. Um exemplo
clássico são as cheias de trapalhadas novelas exemplares de Miguel de
Cervantes. O oficio de matar suicidas tem um narrador que quer ser exemplar.
Quer dar exemplos. Quer dar conselhos. A novela termina com uma espécie de
prelação, de sermão desvalido, dado pelo narrador.
Já dissemos
que Jose Ewerton Neto segue uma linhagem ibérica. Podemos ir mais longe e
mostrar que essa coisa do herói sem nenhum caráter vai mais longe. É verdade
que essa tipologia at´[e pouco tempo era considerada desclassificada. Na Grécia
e em Roma, as comédias eram consideradas um gênero inferior. De certo modo,
isso acontece até hoje, Comédia é gênero para divertir-se , gênero baixo, para
as camadas inferiores da sociedade. Quantas comédias de Shakespeare tu
conheces, leitor? Bem, isso, enfim, não vem ao caso. O certo é que o gênero
aclimatou-se perfeitamente no país, Jose Ewerton está em companhia de Manuel
Antonio de Almeida, de Lima Barreto, não tanto de Machado de Assis que usa um
tom maior, afinal trata sempre das elites, não se vê desclassificados
estrelando os romances de Machado. O tom de O oficio de matar suicidas é
galhofeiro. As situações criadas são pontuadas pelo escárnio. Logo no começo
vê-se ideia genial do autor coberta de moa – não confundir com mofo. A ideia
genial que mudaria a vida do narrador tinha surgido de uma mosca na sopa. Por
ai a novela segue.
Ao ler o
trabalho de Ewerton Neto, é quase impossível escapar a tentação de
compará-lo a outros escritores. O
narrador da novela O oficio de matar
suicidas é um desclassificado. Já dissemos isso antes. Mas desclassificado
também é o personagem do conto “O Cobrador” de Rubem Fonseca. Desesperançados
também são os protagonistas da peça de Plinio Marcos, Dois perdidos numa noite
suja. Esses escritores, como tantos outros, colocam em cena uma camada da
sociedade que só vira notícia nas páginas policiais dos jornais ou quando tem
arrastão. Trata-se do lúmpen- proletário, repudiado até pelo marxismo. Só
Marcuse encontrou algum potencial revolucionário no lúmpen. Criativo, Ewerton
Neto tratou do lúmpen com elegância e humor, bastante raro entre os famosos
escritores do gênero policial.
De resto,
ousamos discordar de Jose Louzeiro. O peso do narrador é sempre contraponteado
pela leveza da narrativa. Logo, a novela não é densa, é leve. Leve por ter
sempre em mente tirar o peso da estrutura da narrativa e da linguagem. Leve
como é leve Machado, Lima, Almeida. Leve como não é Guimarães Rosa, Euclides,
Clarice. Éóbvio que a beleza é uma qualidade. Uma das qualidades que deve
nortear a literatura – e porque não a vida, que já é deveras pesada, tornando
insustentável a leveza do ser – do próximo milênio, segundo o grande escritor
italiano Italo Calvino. Ler coisas como O Oficio de matar suicidas torna a vida
mais leve.
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