Artigo publicado hoje, quinta-feira, no jornal
O Estado do Maranhão
Lojas Marisa, Rua Grande. Basta adentrar o interior da loja
para perceber, no ambiente, a emanação de algo diferente que paira através da
visão dos detalhes arquitetônicos singulares, escadas e plataformas.
Sublimado em
meio a recordações, o homem pergunta à vendedora: “Você sabia que aqui houve um
cinema?”, “Sim, eu sei.”, ela responde. Talvez ele aguardasse uma resposta
menos óbvia, correspondendo ao deslumbramento que sentia. Ele continua: “Quantas
vezes estive aqui, na adolescência, para
ver grandes filmes e grandes artistas: Pistoleiros do entardecer, Ben-Hur; Burt Lancaster, Marlon Brando, Sofia
Loren...Você conhece Sofia Loren? “Não, não sei quem é...” O homem decepciona-se,
mas logo entende que é compreensível que ela não sinta nenhum orgulho especial
por trabalhar numa loja onde viveram tantas belezas, destinos, histórias,
sonhos e ilusões. Entrando em empatia
com suas recordações a moça compartilha: “Olhe, ali estão as fotografias dessa
época!”
De fato, em
relevo junto a parede, pode-se ver grandes fotos da época em que a loja era um
cinema. O homem transporta-se novamente para o passado e percebe que jamais
conseguiria transmitir, à moça, as tantas emoções que ele e tanta gente
sentiram. Para isso, no mínimo, ele
precisaria ser um bom contador de histórias.
2.A Contadora de Filmes, romance do
chileno Hernan Letelier , caiu no meu Kindle há cerca de quinze dias, apenas
porque estava em oferta, já que eu não tinha referência alguma da obra. Assim que
li o primeiro parágrafo, revelou-se um dos melhores livros já lidos por mim sobre
a sedução da sétima arte, melhor até do que o badalado (e bom) Clube do Filme.
Um breve resumo da história:
“Num vilarejo
dos rincões Andinos, do Chile, a única diversão da população miserável são as
sessões cinematográficas de um improvisado cinema, em condições precárias de
projeção. Uma garota de 13 anos, ao assistir as sessões e transmiti-las para o pai, inválido, logo descobre
um inusitado talento que, aos poucos, se
propaga para a vizinhança. Ela consegue entreter pequenas plateias, graças ao
seu talento de atriz e, logo, sua
interpretação narrada dos filmes por ela assistidos se tornam sessões tão concorridas
quanto as do cinema, possibilitando a inválidos e aos que não têm dinheiro para
pagar a bilheteria, ter acesso ao maravilhoso mundo dos filmes. Tão talentosa é
a garota, e tão perfeita e eloquente a
sua identificação com a arte que transmite, que se torna a grande atração
paralela da cidadezinha.
Infelizmente,
porém, com a súbita chegada da primeira televisão ao povoado, seu sucesso
esvaece acompanhando a derrota das sessões cinematográficas. Precocemente, seus
sonhos de atriz desmoronam acompanhando a sua derrocada física como mulher, de
novo perdida num deserto de emoções, futuros e esperanças”.
A Contadora de filmes surgiu-me, assim, um
inesperado, belo e cativante texto sobre a sedução da arte cinematográfica,
jamais vista em outro romance.
Só almejaria
possuir um tantinho do talento da Contadora
de Filmes, de Letelier, para conseguir reproduzir à vendedora das Lojas
Marisa
um pouco das emoções que um dia foram capazes de sentir aqueles que - no
mesmo local onde ela trabalha hoje-, frequentaram, um dia, a plateia do Cine
Éden em todo o seu apogeu.
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